Adolescentes e Sigilo Médico
Os médicos observam que cada vez mais aumenta a procura dos jovens em menor idade aos serviços de saúde. Muitas vezes vão desacompanhados e sem o conhecimento dos familiares, o que é direito constituído. Esta procura se deve em grande parte à necessidade dos jovens em conhecerem os métodos contraceptivos e prevenirem-se contra as doenças sexualmente transmitidas. Eles vão à procura de ajuda, prevenção e orientação. Nos casos de atendimento ambulatorial em regime particular, as dificuldades que os jovens encontram até hoje dizem respeito ao fato de não poderem pagar por consultas e exames (uma vez que não têm fonte de renda ou condições financeiras). Mesmo que tenham um plano de saúde, ficam preocupados que os titulares saibam sobre seus problemas. É só lembrarem que milhares de meninas morrem ou sofrem consequências dos abortamentos clandestinos, com frequência mal realizados, por pura desinformação ou negligência quanto aos métodos anticoncepcionais. As mesmas se expõem também a doenças de transmissão sexual que podem levar a complicações graves no útero, pelve e trompas. Muitas serão submetidas a cirurgias ou internações de emergência por conta disso. Uma sequela comum é a esterilidade.
As instituições públicas são diretamente regidas pelo Ministério da Saúde, que mantém há anos um programa nacional de DST e AIDS. Nem sempre é fácil um pronto-atendimento nos serviços públicos e muitos fatores políticos e sociológicos entram em jogo para que isso não aconteça de forma satisfatória para todos - não somente para os menores. Portanto, concluo que os jovens e o resto da população têm seus direitos adquiridos, porém não cumpridos.
Compete a cada cidadão, de todos os setores da sociedade, que os direitos humanos sejam respeitados - não só em relação aos médicos, mas todas as pessoas esclarecidas, principalmente as que têm poder público.
Os jovens, a futura geração que irá comandar o mundo, ficam perdidos. O que sobra para eles é o aprendizado informal, passado entre grupinhos os eternos erros e dúvidas. E aqui começa realmente a razão deste texto, que acho de suma importância.
Recentemente eu estava atendendo uma menor que disse: “Eu até gostaria que meus pais soubessem que comecei a ter relações sexuais, mas eu acho que seria demais pra cabeça deles. Eu já uso uma pílula anticoncepcional que minha amiga me recomendou e vim fazer meu primeiro exame ginecológico porque estou com corrimento. Eu já tive mais de um parceiro e eles não usaram camisinha. Preciso que me explique sobre tudo e que me peça uns exames para todas as doenças venéreas”.
Vi naquela menina (que podia ser minha filha ou neta) uma mulher adulta, pois as mulheres adultas falam exatamente como ela! Ela tinha 15 anos de idade. Este caso é igual a milhares que já atendi, mas a novidade foi quando eu me dei conta que o exame de anti-HIV no laboratório que indiquei só podia ser realizado em menores de idade se houvesse a presença do seu responsável legal.
Sim... Eu confirmei com vários laboratórios. Perguntei a razão para isso, uma vez que a intenção é sempre manter sigilo nos exames solicitados e uma vez que o laboratório é apenas o executor do exame e não poderia se colocar à frente da decisão do médico solicitante. Perguntei por quê. Eu queria e quero saber qual é a lei em que os laboratórios oficialmente se baseiam. Só dizem que é “muito complicado” atender adolescente sem a presença do responsável. Os pacientes soropositivos são registrados no Ministério da Saúde, pois é uma doença infecto-contagiosa de notificação compulsória desde 1986. O tratamento com as medicações anti-retrovirais é cedido pelo governo brasileiro. O acompanhamento dos pacientes deve ser contínuo e realizado em serviços públicos especializados, podendo, no entanto, o mesmo ter seu médico particular, desde que este seja credenciado para tal.
Incoerências Muitas moças, menores de idade, recebem em mãos dos laboratórios seus resultados de preventivo (exame de Papanicolau) ou seus exames de sangue, muitas vezes detectando doenças sexualmente transmissíveis. Se não há qualquer exigência em chamar o responsável da menor para a realização desses exames, nem restrição quanto à entrega dos resultados, por que haveria necessidade de revelar que a paciente fará um exame para AIDS? Toda doença que tenha vínculo com o sexo é encarada como promiscuidade. Até hoje quem tem AIDS é visto com maus olhos. A falsa burguesia, geralmente aqueles que conseguem esconder bem os seus “pecados” enxerga o soropositivo como uma praga – sendo “perdoados” aqueles que acidentalmente foram contaminados durante sua gestação ou por transfusão de sangue... Mesmo assim, todos, sem exceção, são considerados pela maioria como vetores do mal e são segregados.
Existe preconceito, sim, até mesmo entre pessoas de alto padrão intelectual. Uma discriminação arraigada a temores não resolvidos no inconsciente coletivo. O médico, no entanto, considera (ou deve considerar) AIDS apenas como mais uma doença, e não, o mal de todos os séculos. O médico, seja de que especialidade for, tem que saber (ou ter noções de) conduzir seu paciente em vigência de AIDS, câncer, tuberculose ou qualquer doença grave. Aí você vai me dizer: “Mas eu não sou grupo de risco para AIDS ou tuberculose!". Não é não? Que bom. Espero que você tenha sempre defesa imunológica e que nenhum micróbio lhe ataque, mas lembre que qualquer pessoa que mantenha relações sexuais, mesmo com a tão famosa camisinha, pode ser grupo de risco para o HIV.
Estudos epidemiológicos indicam que na AIDS a maioria dos casos é atribuída às relações heterossexuais. 43% do total de casos surge entre casais estáveis. Em breve as mulheres soropositivas liderarão a lista das estatísticas. A faixa etária acometida por esta pandemia está cada vez menor.
Questionando os pais
Vamos supor que você tenha um filho ou filha adolescente que já começou ou quer começar sua vida sexual. Você conversaria maduramente ou começaria uma aborrecida discussão? Seja qual for sua atitude, saiba: adolescente tem direito amparado por lei à iniciação sexual. O que é sociedade?
A origem da palavra sociedade vem do latim "societas", uma "associação amistosa com outros". Societas é derivado de "socius", que significa "companheiro". Basicamente, sociedade é a união de cidadãos de um país, governados por instituições que lidam com o bem-estar cívico, porém em sociologia significa comunidade, a união de pessoas que compartilham interesses em comum.
Pela própria natureza humana, o adolescente, uma pessoa em formação de seu caráter e propósitos, sedimentando seu autoconhecimento e o conhecimento do mundo, tende a formar grupos de amigos e participar dos ambientes que lhe são compatíveis. Nos dias atuais, principalmente nos grandes centros do mundo ocidental, o adolescente tem duas “educações”: a de dentro de seu ambiente familiar e a do mundo lá fora.
A sociedade pode ser a mesma, mas os seres compartilham interesses diversos. Se o responsável por este jovem não souber adaptar seus conceitos à realidade que desafia a educação que quer transmitir, será ultrapassado pelos apelos externos e perderá a confiança do filho, como também perderá a grande oportunidade de continuar conduzindo e orientando seu desenvolvimento.
Os pais não são obrigados a concordar e tomar uma posição submissa em relação aos desejos e atitudes do filho, mas, sim, ter poder de persuasão, sem, com isso, infringir o respeito ao próximo. A única forma para um consenso é a atenção contínua ao longo da vida de um jovem, tendo-se em conta que os pais também aprendem enquanto seu filho faz o mesmo.
Sigilo médico
O médico ou orientador tem, então, seu papel preponderante na orientação desses jovens, futuros adultos, porém já cidadãos. O médico tem que ser objetivo em sua abordagem e conduta, mas polido; tem que respeitar a lei, mas saber a diferença do que é correto e errado através de um bom preparo psicológico e profissional. Ele tem que ser ético em todos os sentidos e procurar lidar com cada indivíduo de maneira especial, pois cada um de nós tem sua história (de vida e familiar) e sua personalidade. Ele não pode ser omisso às necessidades do paciente, mesmo sendo menor de idade, caso este tenha condições mentais e sociais de responder por seus atos e conduzir sua saúde.
O respeito ao sigilo médico é respeito à medicina, é o cumprimento dos Estatutos da Criança e do Adolescente, das recomendações do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Medicina e do Código de Ética Médica. Todas as entidades visam atenção integral à saúde do adolescente. Isso serve tanto para o setor médico público quanto privado. Quando falamos de médicos, também referimo-nos aos serviços médicos, em toda a sua abrangência, inclusive laboratórios.
O que é Confidencialidade?
“Propriedade de que a informação não estará disponível ou divulgada a indivíduos, entidades ou processos sem autorização. Em outras palavras, confidencialidade é a garantia do resguardo das informações dadas pessoalmente em confiança e proteção contra a sua revelação não autorizada”.
Apesar de na legislação trabalhista o adolescente só poder exercer uma atividade laborativa, como aprendiz, a partir dos 16 anos, é permitido que ele vote com esta idade e aliste-se nas Forças Armadas aos 17 anos. Portanto, a idéia de que um jovem não responde por si e não é capaz de discernimento é arbitrária. Se é admissível que um menor tenha atividade sexual e que queira manter sigilo sobre esta situação, é inadmissível que ele não tenha direito de se prevenir, também confidencialmente, das doenças sexualmente transmissíveis. O paciente deve ser alertado de que existem resultados falso-positivos no exame comum. Os testes de AIDS podem dar resultado falso-negativo, uma vez que só se detecta a infecção entre um mês e meio a três meses após a contaminação, em média. Este tempo entre a aquisição da infecção e a soroconversão se chama janela imunológica. Até os 18 meses de vida esses testes são falhos, uma vez que podem detectar anticorpos da mãe com o vírus no sangue da criança.
Os Testes rápidos (testes simples), de fácil execução e que não exigem instrumental, são feitos com uma gota de sangue do dedo. São aplicados em inquéritos epidemiológicos e têm sido atualmente aplicados nas campanhas de pesquisa em massa da população.
Quando um teste de AIDS vem positivo ou indeterminado, é necessária a contra-prova com um exame ainda mais específico, o Western-blot, de custo mais elevado.
Orientação do Ministério da Saúde
“Todos os testes devem ser realizados de acordo com a norma definida pelo Ministério da Saúde e com produtos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA/MS) e por ela controlados”:
http://www.aids.gov.br/data/Pages/ O que diz o Conselho Federal de Medicina
“O Conselho Federal de Medicina, por meio do Ofício CFM nº 2.797/1998, exarou parecer lastreado nos dispositivos do ECA, do Código de Ética Médica, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e na realidade epidemiológica e sociopsicológica brasileira, recomendando que:
Quando se tratar de criança (0 a 12 anos, incompletos), a testagem e entrega dos exames anti-HIV só ocorrerá com a presença dos pais ou responsáveis.
Quando for adolescente com idade entre 12 a 18 anos, após uma avaliação de suas condições de discernimento, fica restrito à sua vontade a realização do exame, assim como a participação do resultado a outras pessoas.
Assim, o adolescente, a partir de 12 anos pode decidir sozinho pela realização de testagem para o vírus HIV, Hepatite e Sífilis, desde que o profissional de saúde avalie que ele é capaz de entender o seu ato e conduzir-se por seus próprios meios (art. 103 do Código de Ética Médica). Abaixo reproduzo as recomendações dos Departamentos de Bioética e Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo e da Sociedade Brasileira de Pediatria, que estão em consonância com o Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina: 2. O médico deve respeitar a individualidade de cada adolescente, mantendo uma postura de acolhimento, centrada em valores de saúde e bem-estar do jovem.
3. O adolescente, desde que identificado como capaz de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, tem o direito de ser atendido sem a presença dos pais ou responsáveis no ambiente da consulta, garantindo-se a confidencialidade e a execução dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos necessários. Dessa forma, o jovem tem o direito de fazer opções sobre procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou profiláticos, assumindo integralmente seu tratamento. Os pais ou responsáveis somente serão informados sobre o conteúdo das consultas, como por exemplo, nas questões relacionadas à sexualidade e prescrição de métodos contraceptivos, com o expresso consentimento do adolescente.
4. A participação da família no processo de atendimento do adolescente é altamente desejável. Os limites desse envolvimento devem ficar claros para a família e para o jovem. O adolescente deve ser incentivado a envolver a família no acompanhamento dos seus problemas. 6. Em situações consideradas de risco (por exemplo: gravidez, abuso de drogas, não adesão a tratamentos recomendados, doenças graves, risco à vida ou à saúde de terceiros) e frente à realização de procedimentos de maior complexidade (por exemplo, biópsias e intervenções cirúrgicas), torna-se necessária a participação e o consentimento dos pais ou responsáveis. Ética dos laboratórios e critérios para o exame do HIV
Nos serviços públicos o exame do HIV, que é gratuito, está direcionado para pessoas que fizeram transfusão de sangue, que são submetidos à hemodiálise, prostitutas, usuários de drogas injetáveis, gestantes, doadores de sangue, vítimas de estupro, profissionais da saúde. O paciente“tem direito a ser atendido sem a presença dos pais ou responsáveis no ambiente da consulta, garantindo-se a confidencialidade e a execução dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos necessários”.
O médico tem que ser notificado do resultado positivo de um paciente seu, antes de o mesmo pegar seu resultado. Qualquer pessoa tem o direito de receber em mãos seu resultado de HIV, porém é norma que o médico assistente seja notificado previamente a esta entrega, caso haja resultado positivo.
A princípio, é o médico solicitante que faz a convocação do paciente e esclarece sobre o resultado. A omissão de atendimento a um paciente e a não orientação para as condutas necessárias, são consideradas, a meu ver, negligência.
Epidemiologia/Estatística atual
Câncer por HPV (papovavírus)
O câncer do colo uterino, ocasionado pelo papovavírus, transmitido por via sexual, causa aproximadamente 230 mil óbitos ao ano - média mundial.
70% ocorre em países de média e baixa renda.
São 500 mil casos novos ao ano (19 mil casos ao ano só no Brasil), com incidência duas vezes maior em países menos desenvolvidos.
AIDS no mundo
De acordo com o relatório do UNAIDS, estima-se que existam, atualmente, 33,2 milhões de pessoas com HIV em todo mundo, mas dois terços delas, especialmente no continente africano, não têm acesso a tratamentos.
Estima-se que 7.400 pessoas sejam infectadas diariamente.
45% dos casos atingem jovens entre 15 e 24 anos.
As mulheres (englobando qualquer faixa etária) já representam 44,7% dos casos, sendo que a África é responsável por 2 terços do total mundial.
Acredita-se que em 2020 sejam 15 milhões de novos casos no planeta.
AIDS no Brasil
No Brasil surgem 30 a 35 mil casos novos notificados ao ano, sendo que um terço está na faixa de 15 a 24 anos de idade. Cerca de 200 mil pacientes recebem medicamentos gratuitamente do Sistema Único de Saúde.
São 30 casos de morte ao dia por complicações da doença.
No Brasil considera-se que existam atualmente mais de 250 mil pessoas infectadas sem saberem. Minhas considerações finais Da mesma forma que se adquire HPV por contato sexual, também pode ocorrer infecção por HIV, inclusive concomitantemente. O uso do preservativo tem falhas e não pode ser considerada a única solução que podemos oferecer aos jovens, no que concerne à prevenção. Os exames periódicos para DST em ambos os sexos devem ser realizados, tanto para se evitar a morte de uma pessoa contaminada, quanto para a prevenção do parceiro(a). Rio, 10 de abril de 2009
Leituras indicadas:
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