Clube da Dona Menô
Dona Menô
 
 
O mal contra o mal

O texto vai parecer desconexo pra quem não tem hábito de ler algo com mais de dez linhas... Por isso mesmo vão boiar no que está acontecendo hoje em dia nos nossos e-mails.

Na minha época de faculdade não tínhamos a matéria homeopatia, nem ao menos era opcional. Acho que até hoje é assim, ou quase assim, apesar de ser uma especialidade médica. Fitoterapia nem pensar! Apesar de as duas ciências serem muito antigas. Da mesma forma, a acupuntura até bem pouco tempo era uma “medicina” relegada a segundo plano, como era em todo o ocidente, ao contrário dos países orientais, que rotineiramente a ela recorrem há milênios.

Hoje a acupuntura só pode ser praticada por médicos e, acho, pelos fisioterapeutas (graças a Deus e a Budha); está regulamentada como uma especialidade, da mesma forma que a medicina ortomolecular, a homeopatia e a fitoterapia. Não entendo muita coisa sobre elas e, portanto, não posso falar sobre as receitas que me chegam às mãos, trazidas por pacientes que me perguntam se aquilo resolve mesmo. Sou basicamente alopata, comunzinha, feijão com arroz, mas não deixo de acreditar em certas coisas das medicinas que (prepotentemente) chamam de alternativas. Quando quero que a paciente tente algo diferente, ou quando quero uma opinião, eu encaminho para colegas em quem confio e estudam a vida inteira aquilo em que acreditam.

Eu tenho um amigo desde o vestibular, excelente médico, alopata, cirurgião, ginecologista e obstetra, mastologista, fitoterapeuta, homeopata, acumputurista e ortomolecular. Ele é gênio? Não... Um estudioso apenas. Este colega vive entrando e saindo de cursos de especialização, fazendo mestrado, teses e uma infinidade de coisas. Vive às voltas com as sociedades destas disciplinas todas (o que eu não suportaria); lida com amigos e inimigos (ou quase, pois no meio médico existe muita vaidade); dá aulas; vive lutando pra dar credibilidade ao que aprendeu e experimentou no exercício da sua profissão.

De vez em quando a gente se peita... Ele fica até zangado comigo quando eu digo algo ao contrário do que pensa. Como a gente opera junto, sei que muitas vezes dá vontade de fazermos esgrima com o bisturi... Mas, aí, a gente para, pensa e vemos que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ou seja: cada macaco no seu galho. A gente acaba respeitando as diferenças de opiniões, principalmente no que diz respeito a terapias. Sabem por quê? Porque nós dois somos muito bons no que fazemos e não somos concorrentes em nada. Quando cuidamos de alguém em parceria, a finalidade é o doente ficar bom. Existe debate, existe diálogo. Ninguém é dono da verdade. Ninguém pode se achar dono da verdade quando se trata de uma ciência não exata.

Não existe uma só verdade em medicina, pois não existe gente igual neste mundo. Nem os gêmeos idênticos respondem a um mesmo tratamento da mesma forma. O médico que somente acredita naquilo que conhece e acha que o resto é porcaria, sem ao menos estudar profundamente sobre o assunto, está ignorando todos os princípios científicos. A aplicação de todas as ciências em função da cura, baseando-se em estudos e experimentos, é a finalidade da farmacologia, é filosofia.

Este amigo, apesar de saber que uma tal plantinha pode curar uma doença, é obrigado a injetar coisas em ratinhos por meses e depois apresentar os resultados para as entidades médicas responsáveis, para que a sua proposta seja aprovada.

Estas sociedades podem não ser perfeitas - pode haver interesses não médicos nelas e há, sim. Muita competição covarde, luta por poder e coisa e tal, mas é assim que tem que ser; não existe outra forma. O jeito é apresentar um trabalho, depois esperar que este trabalho seja aceito e, se não for, continuar provando por A mais B que está com a razão.

O casal Currie estudou a vida toda sobre radiação e morreu por causa dela; Oswaldo Cruz foi muito ofendido, apesar de estar com razão no que tange sanitarismo (inclusive na profilaxia do dengue) e, para exemplificar o que é ser um estudioso e respeitar a ciência e o paciente em primeiro lugar, passo a história de Albert Bruce Sabin (1906/2003):

Pesquisador de doenças infecto-contagiosas, que inventou a vacina em gotinha que evita a poliomielite. Em 1934 ele demonstrou o crescimento do vírus da pólio em tecido humano. Em 1955 Jonas Salk conseguiu fazer uma vacina para a pólio, mas que não era totalmente eficaz contra a infecção. Em 1961 Sabin conseguiu que esta vacina surtisse efeito total de imunidade contra a poliomielite Para que a vacina fosse difundida e administrada mundialmente, ele abdicou do direito à sua patente.

Vou contar mais uma bacaninha: Sabin foi o primeiro cientista a isolar o vírus do dengue, tipos I e II, na época da Segunda Guerra Mundial. Ninguém sabe disso, né? Pois é... Mas sabem que alguém difunde por e-mail a fórmula mágica pra afastar o mosquito do dengue com bolinhas homeopáticas, não é verdade? E vocês estão contribuindo todos os dias para alguém se dar bem, e não é o povo, quando repassam estas correspondências.

Agora, unindo pensamentos, é que eu começo realmente a mandar o meu recadinho:

Dengue, como já escrevi em outro artigo é MILENAR! Excluindo o descaso científico e político, se fosse tão simples controlar a epidemia e imunizar as pessoas, já teríamos a cura para o dengue. Pode ser que agora, já que esta doença toma largas proporções, sendo a mais séria epidemia desta virose de todas as décadas nos tempos modernos, alguém tenha vergonha na cara de se dedicar (talvez a vida toda) para sua prevenção - sem pensar em grana, sem pensar em prêmios, sem pensar em prestígio, sem pensar em tirar vantagens sociais e financeiras. Será que existe isso hoje em dia, ou os parasitas, piores que o vírus, estão à espreita?...

O caso é o seguinte: Pelo que sei, homeopatia não serve pra todas as doenças. Quem a pratica sabe disso. Ninguém vai deixar de tratar uma tuberculose com esquema tríplice e lançar mão de homeopatia. Só mesmo um imbecil faria isso.

Qual a diferença entre remédio e medicamento? Fácil: remédio é, por exemplo, um chá pra prisão de ventre, uma toalha gelada na cabeça em caso de enxaqueca. Medicamento é a substância comprovadamente estudada e que vai curar doenças e sintomas. Mas, mesmo assim, pode curar ou não, dependendo de cada ser humano.

Terapias com plantas é fitoterapia. Fitomedicamento é medicação, manipulada, sintetizada e estudada da mesma forma que uma medicação alopática; passa por estudos comparativos, é aplicada em grupos e liberada pelas entidades responsáveis de cada país. O mesmo é feito com as substâncias ortomoleculares. Homeopatia tem como fundamento atingir o mal através do próprio mal, visando principalmente aumentar a imunidade da pessoa. Usa-se elementos (às vezes da própria doença) em altas diluições, com poder energético para curar.

A coisa é muito complicada pra explicar. Até eu mesma não sei direito. Em breve enviarei um texto de um especialista. Eu só sei que a homeopatia também dá efeitos colaterais. Ela pode curar, pode não fazer nenhum feito e pode agravar uma doença. Pode até induzir o aparecimento de outras, como qualquer medicação!

Um homeopata que se preze jamais medica por telefone, por exemplo. Chega a ser chata a consulta. O cara até abre livro e pergunta coisas pra gente que só Deus sabe a razão... Se for uma gripezinha vagabunda, ele até dá seus palpites de corredor, como eu digo, mas em coisas sérias, jamais, JAMAIS fará isso!

Já viram em algum lugar do meu site alguma avenção a nome de algum medicamento? Posso falar numa substância, como no caso de hormônios femininos, mas sempre digo sobre os efeitos benéficos e maléficos possíveis. Eu não tenho nenhum interesse em beneficiar indústrias farmacêuticas ou farmácias, muito menos a minha conta bancária, com o que eu escrevo no que diz respeito à medicina. Acho que TEM QUE SER ASSIM. Se um dia eu achar que creme vaginal de cenoura com beterraba faz bem pra colpite bacteriana, vou ter o maior trabalhão pra provar, mesmo que eu tenha absoluta certeza de que esta salada resolve o problema...

Medicina ortomolecular, acupuntura, fitomedicina, homeopatia devem ser exercidas por profissionais sérios. Não podem ser consideradas inócuas, sem efeitos colaterais, nem infalíveis. Se estes profissionais querem que suas especialidades sejam respeitadas e não sejam consideradas como chuchu na serra, que qualquer um pode pegar e comer, então, que respeitem a ética e deixem de enviar e-mails com fórmulas milagrosas para o dengue, ou seja lá o que for! E, principalmente, que não coloquem telefones para contato pessoal.

Por causa destas coisas deixei de lançar um programa, o televagina. Ia ser o maior sucesso. Olhem que maravilha:

“Coloque uma moedinha e escolha a opção:
Disque 1 se sua vagina estiver com prurido;
Disque 2 se estiver só ardendo;
Disque 3 se estiver com corrimento;
Disque 4 se tudo estiver acontecendo ao mesmo tempo”.

Que dizer de um médico que usa a Net pra se beneficiar e detonar uma especialidade? A pessoa pode até ser maravilhosa, pode ter descoberto a nova pólvora de fulminar a nossa falta de imunidade ao mosquito, mas, certamente, está querendo aparecer; está a fim de faturar um troco alegando peninha do povo. Que vá lá colocar suas pesquisas em campo e fazer que nem os outros profissionais, que até pagam pra defender suas teses!

Recebi muitos e-mails com a mesma mensagem, porém, com receitas diversas. É só colocar na Net que logo logo tudo é deturpado. Mesmo que a tal fórmula afaste o mosquito em quem a toma; mesmo a fórmula melhore a imunidade de alguém com dengue, imagino a repercussão disso em pouco tempo, inclusive facilitando que pessoas não se protejam mais contra a epidemia por se acharem imunes, ou deixarem de ser atendidas pelos médicos, uma vez doentes.

Por essas e outras é que sou admiradora de meu filósofo preferido, Millôr Fernandes: “Desconfio sempre de todo idealista que lucra com seu ideal”.

Leila Marinho Lage
http://www.clubedadonameno.com
Rio. 2 de abril de 2008