Clube da Dona Menô
Dona Menô


DIABETES MELLITUS NA VISÃO DO ESPECIALISTA
(Artigo do Dr Eduardo Flores, especialmente escrito para o Clube da Dona Menô)

O Diabetes é uma das doenças que mais compromete órgãos e sistemas. Se caracteriza pela incapacidade do organismo de utilizar de forma adequada para a alimentação celular, as diversas formas de açucares ingeridos por nós, quando nos alimentamos e, também, a glicose que é sintetizada (fabricada) em nosso organismo pelo fígado a partir de outros açúcares, como a frutose (açúcar existente nas frutas), sacarose, lactose (açúcar existente no leite) e outros, bem como a partir das gorduras e proteínas.

Na forma como conhecemos hoje, o diabetes já havia sido descrito há mais de dois mil anos, porém só em 1788, o pâncreas foi associado pela primeira vez à doença.

Em 1869 Paul Langerhans descreveu pequenas e pálidas porções de células no pâncreas de coelho (as ilhotas de Langerhans). Em 1921, a insulina foi descoberta por Banting e Best, um médico e um estudante de medicina, que posteriormente ganharam o Prêmio Nobel por suas descobertas.

A sequência de aminoácidos da Insulina só foi descrita em 1955 por Sanger e já no final do século passado nos foi possível utilizar insulinas semelhantes às que naturalmente produzimos, obtidas por engenharia genética, que são menos imunogênicas (geradoras de anticorpos) que as insulinas bovinas, porcinas ou mistas, utilizadas até então, e que  eram fontes de reações imunomediadas tais como menor atividade por inativação imunológica, lipoatrofias, alergias e outras.

Com o advento da utilização da Insulina e de outros medicamentos com fins terapêuticos para o diabetes, suas intercorrências e patologias associadas passaram a ocorrer melhoras significativas na expectativa de vida dos pacientes portadores desta doença e, consequentemente, a cada dia, a cada conhecimento novo obtido com a evolução científica e o aumento da sobrevida, nos permitem um entendimento cada vez maior da fisiopatologia do Diabetes e sua evolução, nos fazendo perceber a importância  de se desenvolver importantes  iniciativas epidemiológias e políticas de saúde para o controle dos fatores de risco e das complicações dessa doença neste século que há pouco iniciou e que nos acena com uma explosão de casos novos.

Nos EEUU estima-se que existam hoje cerca de 16 milhões de diabéticos conhecidos, talvez um número igual ou maior possuam e desconheçam possuir a doença. Já se projeta um crescimento de cerca de 40% no número de casos até 2030.

Este incremento se deve ao grande aumento da incidência de obesidade com uma ocorrência de 65% de diabetes nesses pacientes agravados ainda pelo estilo “moderno” de viver.

Cerca de 90% de todos os casos de diabetes mellitus  são de diabetes do tipo II onde o fator predominante é a resistência a Insulina que consiste na baixa sensibilidade das células do organismo, particularmente dos músculos e fígado, em responder a níveis normais de insulina, exigindo assim que o pâncreas produza níveis por vezes muito acima do considerado normal e este por vezes se mostra incapaz de fazê-lo, advindo daí o diabetes.
          

O diabetes se caracteriza nestes casos pela incapacidade de se obter um controle glicêmico adequado com níveis normais ou mesmo aumentados de insulina.

A fisiologia da secreção de insulina, de forma simplificada, ocorre de duas maneiras, uma secreção basal, responsável pela manutenção dos níveis glicêmicos durante todo o dia e por uma secreção pulsátil de insulina a qual ocorre por ocasião da ingesta alimentar.

Quando há resistência a insulina é esta secreção pulsátil da insulina, prandial, a primeira a ser comprometida, daí surgindo inicialmente as hiperglicemias pós prandiais e já estas configurando uma deficiência relativa de insulina, por vezes com níveis absolutos bastante elevados porém insuficientes para manter a homeostase (equilíbrio) glicêmica.

As hiperglicemias pós prandiais são responsáveis por grande parte das complicações micro e macrovasculares que ocorrem nos portadores de Diabetes do Tipo II tais como: retinopatia diabética, nefropatia diabética com insuficiência renal terminal, neuropatias diabéticas, coronariopatia (angina, infarto do miocárdio), acidentes vasculares cerebrais e amputações de membros inferiores.

Com o passar dos anos, no diabetes do tipo II,  ocorre uma apoptose ou morte das células beta do pâncreas produtoras de insulina. Desta forma, passa
ocorrer também uma falência na produção de insulina e uma necessidade de que os pacientes, inicialmente hiperinsulinêmicos relativos, tratáveis inicialmente com medicamentos orais, passem a necessitar de uma reposição de insulina,  já que a produção pancreática deixou de ocorrer ou diminuiu progressivamente.

O Diabetes, com seu caráter silencioso durante muitos anos antes que ocorra a primeira intercorrência que leve ao seu diagnóstico, já compromete diversas outras vias metabólicas tais como:

-  as dislipidemias (aumentos das gorduras circulantes do sangue),

- o ácido úrico elevado,

- o aumento da atividade de alguns fatores pró coagulação (causadores de tromboses ou entupimentos vasculares),

- a disfunção do endotélio vascular levando à hipertensão arterial, disfunção erétil (impotência),

- acelera as lesões microvasculares da retina levando a retinopatia diabética, responsável por cerca de 45% dos casos de cegueira e a neuropatia diabética,

- acelera as lesões macrovasculares, juntamente com os demais fatores anteriormente descritos, sendo responsável por cerca de 80% das amputações dos membros inferiores de causas não traumáticas,

- as feridas de apoio ou pressão conhecidas como mal perfurante plantar,

- as lesões coronarianas de múltiplos vasos, comprometendo, por vezes, todo o leito arterial, impedindo, assim, um bom resultado em termos de revascularização miocárdica e sendo o responsável pelo maior número de óbitos em pacientes jovens por coronariopatia e miocardiopatia isquêmicas.

O risco de evento coronariano em pacientes diabéticos se iguala ao risco de um paciente que já teve um evento coronariano anterior.

O diabetes é uma doença devastadora, quando negligenciada, e silenciosa por muitas vezes. Está ligada a vários ritos de refratariedade por parte dos portadores tais como:

- Não fazer dieta,

- Não fazer exercícios regulares,

- Não tomar medicamentos e/ou insulina todos os dias,

- Eventualmente ou por várias vezes ao dia, não ser  disciplinado em termos de horários, visitas médicas e odontológicas regulares,

- Não fazer exames constantes, como furar o dedo para dosagens de açúcar e

- Fumar. 

Diabetes é uma doença que tem o estigma de poder limitar o convívio social de alguma forma, face as restrições impostas para que um bom controle seja atingido.

O Diabetes do Tipo I ou insulinodependente difere do diabetes do Tipo II pela perda da capacidade do pâncreas (particularmente das células beta) de produzir insulina pela morte celular. Estes pacientes devem ser tratados basicamente com  as diversas formas de insulina.

As insulinas diferem entre si pelo seu tempo de ação. Umas agem de forma mais rápida e outras, progressivamente de forma mais lenta. Associando-se o uso de insulinas de perfis diferentes (lentas e rápidas), de alguma maneira, se pode mimetizar a função “normal” do pâncreas.

Hoje várias novas portas se abrem no controle do diabetes:

- Novos medicamentos que agem mais e melhor e de forma mais fisiológica (natural) e novas insulinas, que juntos permitem uma maior liberdade em termos alimentares.

- Novos conceitos alimentares.

- Métodos de diagnóstico e acompanhamento mais apurados.

- Novas agulhas, seringas e canetas para aplicação de insulina de forma praticamente indolor.

- Possibilidade de um controle individual da doença a curtos espaços de tempo, impedindo longos períodos em hiperglicemia  ou hipoglicemias através de glicosímetros digitais portáteis e fáceis de usar, com resultados confiáveis e rápidos.

- O advento das bombas de infusão de insulina, indiscutivelmente uma revolução no tratamento do diabetes insulinodependente, permitindo um equilíbrio metabólico bastante próximo do indivíduo não diabético e, desta forma, permitindo uma maior liberdade alimentar e resgatando uma maior liberdade no convívio social.

Novos caminhos surgem:

- Insulina inalada.

- A identificação e isolamento de novos hormônios que diminuem a apoptose (morte das células beta pancreáticas) e induzem ao aumento de sua população e que diminuem a secreção de hormônios antagonistas da insulina como o glucagon.

- Bombas de insulina de alça fechada, onde o mesmo equipamento verifica os níveis glicêmicos e automaticamente administra a quantidade de insulina necessária.

- Os transplantes de ilhotas pancreáticas.

-  A reconstituição pancreática a partir de células tronco.

-  Novas drogas para o controle da hipertensão, com proteção do endotélio.

Muitos outros novos caminhos já estão sendo trilhados, no entanto, nada se compara à prevenção, tal como o controle de peso, principalmente na infância. Uma criança gordinha invariavelmente será um adulto obeso e, provavelmente, com 60% de certeza, será também diabético.

Os pais, a escola, as políticas públicas de saúde devem estar voltados para esse problema grave que é a obesidade na infância e suas repercussões futuras.

Nada terá um melhor resultado em termos de diabetes do que a possibilidade e evitá-lo.

O Diabetes é um desafio de todos:

- Governos, com seus programas de saúde; a disponibilização de recursos e novas tecnologias voltadas para a prevenção e o tratamento,

-  Cientistas, com suas descobertas maravilhosas,

-  Médicos responsáveis por aplicar os avanços conquistados e disponíveis,

- Educadores em diabetes, responsáveis por abrir novos horizontes para aqueles que se julgam fadados  a um sofrimento sem fim, com origem em uma história passada do diabetes mau controlado,

- A família, sem a qual nada frutificará.

 O paciente poderá deixar de sê-lo, caso entenda que a luta contra a obesidade e o sedentarismo deverá ser empreendida sem tréguas, principalmente se já existe na família uma história anterior de diabetes. E, caso venha a se tornar diabético, que tenha o entendimento que muitas novas tecnologias estarão ao seu dispor para que leve uma vida normal como qualquer outra pessoa verdadeiramente sadia, com hábitos sadios ou muito próximo disto.

Para tal, a palavra chave é DISCIPLINA.

Dr. Eduardo Flores
Endocrinologia
CRM: 5227724/8
Rio de Janeiro, 2006