Clube da Dona Menô
Dona Menô

Resenha da resenha

Eu já cheguei a passar no vestibular para jornalismo, mas desisti por conta do caduceu. Eu achava o caduceu lindo! Graças a Deus conheci Hipócrates mais tarde e vi que realmente estava na praia certa.

Mas sempre tive um pé nas artes. Com o tempo uni arte à medicina, que é o que eu faço até hoje, ao escrever, ao formatar slides, ao fazer artigos e palestras, ao fazer a cobertura de algum show... Só faltava fazer resenhas...

Meu grande problema com resenhas é que eu gosto de contar o final da história - não me aguento! Por outro lado, vivo cansada, e, com isso, os livros, as peças teatrais e os filmes servem como sonífero para mim. Se eu fosse jornalista e tivesse uma página com resenhas, estaria desempregada rapidinho.

Eu consigo passar dias, meses estudando algo que me proponho apresentar, mas ao mesmo tempo, tenho a maior preguiça para outras atividades intelectuais. Ou seja, sou de veneta.

Ontem me deu a veneta de assistir a um musical. Custava baratinho; o teatro estava ali na minha frente; eu tinha tempo; eu tinha ótima companhia: minha secretária, que me acompanhava para resolver outros assuntos. Era tema cultural: bom pra uma resenha...

Era noite, após expediente, num shopping... Minha secreta deu a ideia: "Vamos tomar um chope antes do show?". Sentei, bebi, conversei trivialidades, ri de meia dúzia que passou à minha frente e fomos ao teatro ver a tal peça.

Não vou falar sobre a peça, pois não gostei! Não que a peça fosse tão ruim assim... Os atores eram ótimos, eles cantavam, dançavam e interpretavam muito bem. O problema é que a peça em si era uma droga!

Tentei me concentrar. Não era possível aquilo. Se tinham tantos patrocinadores, se o elenco era tão bom e levava a sério aquele trabalho, se estavam se apresentando em um espaço tão conceituado, então a peça devia ser boa e eu é que não estava no clima. Pus minha mente para funcionar, captar a mensagem - eu precisava fazer uma resenha, afinal...

Quando a gente se concentra, ondas cerebrais são ativadas (ondas alfa) semelhantes às ondas elétricas do sono quando estamos sonhando. Profunda concentração e - VAP!- um sono infernal se apoderou de mim.

Poxa, foram só dois chopes. Por que aquele sono, meu Deus? Talvez por não ter o acompanhamento do pastel... O álcool fora sorvido integralmente pela corrente sanguínea. Aliado a isso, o cansaço do dia. Prato cheio.

A pior tortura é tentar ficar acordada, ainda mais que eu estava na segunda fileira de cadeiras e os atores me olhavam, todos felizes. Deve ser uma ofensa ver que o público dorme. O ambiente gelado, aquela cadeira não apropriada para uma soneca, a minha luta contra o sono, tudo se tornava uma Via Crucis.

Não consegui entender como minha mente apagava o som. Em questão de segundos de sono eu perdia diálogos e não conseguia entender como o ator da direita passara para a esquerda do palco num piscar de olhos! Impressionante como nossa mente trabalha contra nós - ou a nosso favor- deletando o dispensável... Naquele momento meu cérebro queria anular informações desnecessárias para ele e para meu corpo.

Sentei mais ereta, mas isso fez com que minha cabeça tombasse para trás e minha boca abrisse. Eu não tinha culpa! Eu estava dormindo! Com o relaxamento "endorfínico", meu palato mole também relaxou, a língua caiu também pra trás e... ronquei!!! Eu ronquei bem à frente de dezenas de atores e ao lado de outras na plateia!

Ao produzir o som gutural (se bem que foi baixinho), eu acordei. Olhei para minha secretária e disse "Incrível! Acabei de roncar...". Ela, obviamente, respondeu "Eu sei...".

Aquilo até que foi bom, pois minha autocrítica me fez despertar e assistir ao final da peça, que não gostei de verdade.

Ao chegar à minha casa o sono passou completamente. Tive até que tomar valeriana officinalis para dormir. Concluí que sou apenas uma cronista...


Dedicado a Maria Olímpia Alves de Melo e Bernard Gontier, escritores do Recanto das Letras. Estes, sim, sabem fazer a coisa...


Leila Marinho Lage

http://www.clubedadonameno.com