Clube da Dona Menô
Dona Menô
Vamos brincar?...

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Não sei bem a razão, hoje eu voltei 44 anos atrás, quando eu tinha 6 anos de idade (deixem-me fazer as contas, porque depois de certa idade a gente se perde).

É isso mesmo. Eu tinha 6 anos, ou menos ainda, e era pobre. Eu escolhi meu presente de aniversário. Uma verdadeira batalha pra conseguir: um cachorrinho pequinês, que estava numa gaiola de uma lojinha de esquina.

Eu passava pela loja todos os dias e conversava com ele. Acabei o apelidando de Mimo. Antes de eu ir para a escola, queria ver Mimo. Minha mãe não tinha dinheiro e ficava me prometendo que um dia eu ia ter aquele bichinho. Eu ficava revoltada e dizia para ela que enquanto eu esperava, Mimo ficava trancafiado entre grades.

No dia de meu aniversário, ao sair da caminhonete que me trazia para casa, eu vi minha mãe me esperando com o cachorro no colo. Eu fiquei emocionada e grata a ela, por não deixar meu Mimo sofrendo sozinho.

Aquele cachorro sofreu comigo, tadinho... Eu sentava em cima dele, eu fazia todas com ele. Ele ficou muito velho e lembro dele na vida adulta. Era mestiço, e por isso era bonito. Tinha pelo castanho e preto, e este caía como cachoeira. Seus olhos eram bonitos, não eram esbugalhados que nem a raça.

Mimo se irritava quando a gente cantava. Ele uivava. Então, eu e meu irmão fazíamos acordes com a voz, cada vez mais alto, até ele ficar roxo de tanto uivar: "Mimo... Mimo!... Mimoooo!!!!". Outra coisa interessante era ele brincando com bola. Parecia uma foca, bicando-a com o focinho.

Eu já tinha ingressado na faculdade quando minha mãe me ligou dizendo que Mimo tinha morrido sem mais nem menos. Eu morava em outra cidade. Certamente ela me poupou dos detalhes que eu não poderia suportar, apesar de ser uma mulher formada.

Fora minha gata, que foi um presente de Deus, os outros cães não tiveram tanta importância na minha formação, apesar de os amar. Mimo ouviu meus primeiros choros de desilusão e eu conversei muito com aqueles olhos redondos.

Voltando aos presentes, lembro de outros especiais: uma boneca meio lata, meio borracha, numa lambreta. Ela tinha sardas. Era tão marcante o brinquedo que eu até hoje me lembro de seu rosto. Uma representante de laboratório é igualzinha a ela e eu sempre falo sobre isso. Quando a vejo, eu volto a um passado que jamais ela iria entender. Por isso a chamo de bonequinha.

Mas eu não ganhava muitos presentes, porque a vida era dura. Minha mãe sempre nos educou com alguns preceitos. Um deles era que presente não tem época, hora marcada e só podíamos ter quando dava. Por isso todos tiveram muito valor para mim.

Lembro de Nilo, um boneco homem, muito bonito, mais bonito que muitas bonecas de hoje em dia, do tamanho de um bebê natural e com detalhes impressionantes, perfeitos. Nilo era o nome de meu irmão que tinha morrido, mas depois veio o outro Nilo, que está bem vivinho hoje.

Nilo Timóteo da Costa foi um grande médico, que salvou a vida de minha mãe, numa época em que ele era ainda recém-formado. Nunca tive contato com doutor Nilo, além do ano de 1993, quando eu liguei para ele para saber detalhes do histórico de minha mãe, que na época tinha doenças raras, associadas ao seu passado.

Dr Nilo atendeu ao telefone, e assim que me identifiquei, ele falou o nome todo de minha mãe e contou todos os detalhes de sua história. Eu já era médica. Este médico estava muito doente e logo depois faleceu. O Nilo boneco só veio a sumir de minha vida muitos anos depois, quando praticamente a sua borracha derreteu.

Eu gostava mesmo era de ganhar muitos presentes baratos, mas em grande quantidade. Em certo Natal minha mãe fez minhas vontades e encheu uma árvore com um monte de bugigangas. Eram várias caixas de presentes, todas muito bonitas, com conteúdo não tão sofisticado, mas que fizeram me lembrar até hoje do meu dia de princesa.

Um dos presentes, para que entendam, era um jogo de varetas - aquelas varetas que tentamos pegar sem mexer nas outras. Outro presente era uma geleca. Sempre adorei jogar geleca (meleca com geléia) na parede.

Tive a Susi, a cômoda da Susi (que tenho até hoje), a banheira da Susi, a Beijoca, a boneca pretinha, bonecas com cheiro de bonecas... Se bem que eu não curtia muito as bonecas tradicionais. Eu preferia brincar com as bonecas de papel e suas roupinhas.

Até minha adolescência minha brincadeira favorita era colocar essas bonecas de papel em cima de recortes de páginas de decoração, tipo Casa e Jardim. Aprendi pouco sobre bonecas, mas fiz uma enorme coleção de revistas de decoração. Até hoje foi muito útil tudo que li, inclusive sobre acabamento e construção...

Panelinhas e fogões são lembrados, mas o que eu guardo até hoje em minha casa são panelinhas da época da infância de minha mãe - verdadeiras obras de arte. E um ferro a brasa que as crianças antigas usavam pra brincar de casinha, também dela.

Ah! Uma safona! Com todos os detalhes de um instrumento musical de verdade, só que menor. Este brinquedo faz tanto barulho quando eu abro meu armário, que recentemente eu o deixei em meu consultório, lá bem no alto. Eu perturbei muito a cabeça de minha mãe com ele.

Minha atração era brincar de bola de gude. Meus pais me impediam, pois eu estava ficando muito moleca. Colecionei um monte delas. Algumas eu tenho até hoje.

Pimball (pebolim), então, era o maior barato. Pipa, eles me impediram de soltar, assim que comecei a disputar serol com os meninos. Sobrou fazer casinhas de lama na rua...

Brinquei pouco, talvez menos do que eu deveria. Queimado, amarelinha e pular corda foram momentos bons, mas ao mesmo tempo, frustrantes, pois eu não combinava com aquilo. Eu preferia armar os lindos quebra-cabeças que meu irmão ganhava ou "dirigir" os carros dele.

Figurinhas da Sarah Kay e da seleção “Amar é” foram minhas últimas brincadeiras. Eu as aguardei até quase mofarem. Ao longo dos anos as crianças da família foram se apoderando delas. Sempre me pediam para abrir a gaveta de novidades - as “novidades” que fizeram minha história.

Eu fui dando aos pouquinhos tudo que era meu, como foi aos pouquinhos que cheguei à meia-idade, mas com vontade de continuar brincando...

Leila Marinho Lage
Rio, 4 de fevereiro de 2009

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