Clube da Dona Menô
Dona Menô
BALANÇA, MAS NÃO CAI



 
Oi, gente! Aqui é Dona Menô. A doctor se mudou, né? Pois é... Eu também tive que vir junto... Eu gostava do apartamento antigo, pois havia mais individualidade. Enquanto a doc ficava nos sais, eu fazia das minhas no computador dela. Agora eu vou ter que fazer mais silêncio ainda, quando eu tiver que teclar no e-mail dela ou no site para conversar com vocês.
 
Enquanto ela se preocupa com encanamentos velhos e espaço para os sofás montrengos, estou preocupada com meu quarto... Como é que vai ser quando Josualdo vier me visitar?! O quarto é colado no dela e a parede é fina que nem papel!
 
A minha cama deu encrenca das “brabas”. Foi desmontada e remontada. O cara que fez isso quis me sacanear, não é possível. Deixou a madeira do fundo toda solta sem eu saber. Quando eu deitei nela, a dita cuja balançou e deslizou pelo chão liso. Parecia um parque de diversões e eu estava num escorrega de uma piscina.
 
Chamei a secretária e a empregada da doc para ver a coisa. Era só empurrar com o dedo que a cama ia e vinha. A parte central da cama estava mais alta que as laterais e mais parecia o sapatinho da Cinderela num salão de valsa.
 
A primeira a se dar conta da futura tragédia foi a secreta: “Hahaha!!! Como vai ser quando Josualdo chegar?! Hahaha!!!”. Sim, seria um absurdo se a doutora ouvisse O Mundo Encantado da Xuxa em plena residência.
 
“Josualdo vai ir e vir, até ir e não voltar, porque vai bater com a cabeça na parede! Precisamos resolver esta situação! Meninas, ajudem-me a levantar esta merda, que eu vou pregar o fundo e vou colocar calços”.
 
Três mulheres foram suficientes para fazer o trabalho de um homem, mas deu certo. Enquanto uma segurava, a outra empurrava e eu colocava pregos. Aprendi que só se deve usar o martelo segurando pela sua extremidade, pois assim dá mais pontaria e evita-se esmagar os dedos.
 
Eu as incentivava: “Vamos lá, amigas, não esmoreçam! É por uma boa causa!”. Lembrei da frase em latim: "Navigare necesse; vivere non est necesse" (Plutarco, in Vida de Pompeu), dita pelo general romano Pompeu (106-48 aC) aos marinheiros que se recusavam a viajar, por medo do mau tempo no Mediterrâneo. Na verdade a frase diz que é preciso navegar com precisão dos instrumentos dos navios. Eu estava justamente necessitando das duas coisas naquele momento: Precisão e Incentivo.
 
A secretária da doctor ria de se encolher. A empregada apenas olhava e dizia que ali estavam duas malucas desvairadas. Eu suava em bicas e pensava: “Se dizem que numa relação sexual gastamos tanta energia quando no trabalho de um marceneiro, então... Jo vai ter que corresponder à altura pelo sacrifício...”.
 
Passo abaixo um poema de Fernando Pessoa, erradamente atribuído a Camões (o qual Pessoa nem admirava...).
 
Navegar é Preciso
Fernando Pessoa

“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.”