Clube da Dona Menô
Dona Menô


Vó Coca-Cola



Este texto estava para ser escrito há alguns anos, baseado no que observo em meu consultório a respeito das mulheres que passam a experiência de ser avó nos dias de hoje. Não queria colocar minha vida pessoal no texto, mas a minha visão da sociedade. Só que eu não encontrava a oportunidade ideal, mas esta chegou através de uma leitora do meu site.

Sempre faço questão de conhecer os meus leitores. Muitos deles não existem, são fakes e me escrevem carinhosa ou agressivamente. Tento ser imparcial e devolver os comentários com respostas úteis. Principalmente para o espiritual daquela pessoa, que existe, seja ela quem for.

Num dia desses eu li na área de comentários: “[...] Tenho 63 anos, sou avó de 2 netos maravilhosos, que são a minha vida. Tenho 1 filho adorado e 1 nora que eu amo de paixão. Moro com minha mãe, que é idosa [...]”. Eu vi em minha mente a figura daquela senhora e analisei suas palavras. Ela usou adjetivos em todas as personagens que fazem parte de sua vida, para mostrar que à sua volta tudo é repleto de amor. Ali estava a verdadeira avó, uma pessoa verdadeira. Apesar de eu não a conhecer pessoalmente, ela vai representar a partir deste momento a figura de vó. Ou não?... Aqui começa a minha crônica.

Já fiz centenas de partos de mocinhas que hoje já são avós. Cuido de suas filhas e me sinto também vó - uma avó diferente, sem o mesmo envolvimento, entretanto, fazendo parte dessas famílias.

Envelhecemos e passamos a ser considerados idosos, que, apesar de mais experientes, estamos ultrapassados, na visão de alguns jovens. Somos tão antigos quanto a Coca-Cola, que, apesar de existir tantos anos, ainda é líder no mercado de refrigerantes e tem seu segredo muito bem guardado e valorizado. Somos a geração Coca-Cola em todos os sentidos e assim vejo as avós de hoje, pelo menos a maior parte.

As jovens avós que detestavam verduras e legumes na época de sua gravidez, hoje obrigam os netinhos a comer aquelas sopinhas amarelas, e ficam em crise existencial quando eles fecham a boca e nunca mais abrem... As avós de hoje trabalham fora e não querem tomar conta de criança aos sábados e domingos, pois elas têm que badalar (“Quem tem seu filho que cuide dele...”). Vó atual sabe mais da vida sexual dos netos do que a mãe. Levam suas netas ao consultório pedindo para que a mãe não saiba sobre os segredos da jovem... Olham com aquele olhar de tolerância que só quem já viveu muito sabe dar.

Vó é uma entidade, uma concepção, talvez o sentido do amor materno sem a contaminação da inexperiência, do medo, da incerteza, das obrigações do dia-a-dia. A única obrigação (espontaneamente aceita) da avó moderna é amar. Cuidar, vai depender do dia da semana e da hora da hidroginástica...

Sempre digo que a mulher, quando já se acha madura e sabedora das coisas, acaba se denunciando em inseguranças e dúvidas ao ver uma filha adolescer. Ela passa a se confrontar com o seu passado e fazer comparações. Começa a ver a si mesma na figura de uma adolescente ou adulta jovem, que começa a viver certas coisas numa época tumultuada e tão cheia de conflitos sociais e culturais como acontece hoje. Começa-se a aprender de novo, a rever seus conceitos. É um aprendizado natural, que jamais poderá ser incutido - deve ser vivenciado. Mas avó não aprende. Avó exercita com sabedoria aquilo que o tempo a fez ver e aceitar, ou a driblar.

É muito gostoso ter uma criança ou um jovem em nossas vidas, quando esta vida já se finda, ou, pelo menos, está mais próxima do fim. É um crescimento espiritual ver-se em um ser que começa a viver, e saber-se em semente.

A sabedoria transmitida por uma avó Coca-Cola pode não ser a mesma da avó Aveia Quaker, mas no fundo, bem lá no fundo, o que mudou foram os tempos, não o sentimento.

Para a leitora avó, que deve ser a última geração da vó tradicional, eu dedico minha homenagem em respeitosa reverência.
 
 
Leila Marinho Lage

Rio de Janeiro que Continua Lindo, 22 de outubro de 2008
http://www.clubedadonameno.com