Clube da Dona Menô
Dona Menô

MICOS

Gírias não são bem o meu forte. Nunca sei o sentido delas direito.

“Mico” é uma delas. Pagar mico é cometer gafes, ser atrapalhado, indiscreto, coisas assim.
Certa vez, descobri literalmente o que é “pagar o maior mico”. Talvez não o maior, mas um deles.

O MICO
 
Estava num hospital todo bacana, que acabara de ser inaugurado. Fui operar uma paciente.
 Para dar uma de bacana também, fui toda chic, mas, na pressa, coloquei uma calça comprida e uma calcinha muito apertadas.

Até aí, tudo bem: Era só não respirar.
 
Para operar, a gente troca a roupa toda, menos as calcinhas, claro. As horas se passavam e eu comecei a me sentir como numa armadura bundal, o cinto de castidade dos infernos.

Eu tive que transitar pelo hospital depois da cirurgia - indo e vindo -  e precisava ajeitar aquela calcinha. Mas, aonde?
 
Estava num corredor enorme, cheio de médicos, pacientes e acompanhantes -  uma procissão de desalmados; todos esperando ver uma cena dantesca da doutora mostrando sua bunda espremida ou puxando a calcinha de dentro dela. Não achava um banheiro público, que, provavelmente, estaria na saída do hospital.

Só havia um jeito: O elevador!
 
Como é bom elevador... A gente pensa em um monte de coisas boas pra fazer dentro dele (mesmo que não o faça): soltar pum, tirar meleca, beijar, namorar, ficar olhando a cara dos apavorados, falar de tragédias, quedas, catástrofes... Pior é comentar que o oxigênio está escasseando... Isso dá a maior neura...

Alguém, que me lê agora, já teve um sonho erótico de estar transando num elevador enguiçado? Cara, eu não poderia transar, uma vez que estaria desmaiada ou com dispnéia - sou claustrofóbica.

O elevador paradisíaco

O que eu queria mesmo era estar sozinha pra arrumar a calcinha. E lá estava eu, maravilhosamente só. Entrei e comecei o cerimonial.
 
No começo, educadamente. Depois, como os meus dedinhos delicados não conseguiam resolver o problema, coloquei a mão toda por dentro da calça e resolvi a coisa...
 
Ah, que delícia! Eu parecia um bebê amamentando e revirando os olhinhos. Cheguei a virar pra lá e pra cá o traseiro, para me ajeitar melhor. Que coisa boa!

A súbita constatação

Então, começou o outro inferno: Olhei pra cima. 

Eu tinha esquecido do vídeo e estava sendo assistida por algum vigia, que, provavelmente, já tinha chamado toda a equipe de vigilância pra ver também.
 
Até aí, tudo bem. Eles estavam olhando de cima pra baixo e nem iriam lembrar de mim no dia seguinte.

Foi quando eu percebi onde eu me encontrava. Eu tinha subido num elevador normal, mas este em que eu estava era panorâmico e atrás de mim estava uma parede de vidro linda, translúcida, caprichosamente limpa.

Lá embaixo, na recepção, pelo menos umas vinte pessoas olhavam pra cima, todas boquiabertas. Parecia um filme dos anos sessenta, onde os marcianos hipnotizavam as pessoas.

Ainda com a mão por dentro da calça, revirada e olhando pra baixo, só pensei em enfiar a cara por dentro da bunda. 

Saí do elevador maldito, com a cabeça erguida, e fui embora, meio envergonhada, mas satisfeita.
 
Pra quê existe elevador panorâmico num hospital?

Outro mico
 
Sala dos médicos:
 
Aquela salinha aonde a gente come de tudo, antes de entrar para a cirurgia.
 
Não me amarro em ficar batendo papo com ninguém, muito menos quando começam a falar de carros novos e viagens ao exterior... 

Pois é, um dia aí, na sala dos médicos, eu transitava apressada, sempre com meu jeito “Jerry Lewis” de ser. Eu fazia algo, sem ver quem estava à minha volta, e dei o maior escorregão numa casca de uva que “tinha no meu caminho”.
 
Tive que me apoiar no ombro de um médico, que eu não conhecia,  mas que estava perto de mim, sentado num banco. Ele deu um grito:

“PQP! Por que as pessoas sempre fazem isso? Tô com o ombro luxado!”.

Entendi o seu nervoso. Ele estava com dor, coitado, e não se dava conta de sua estupidez comigo.

Fiquei tão sentida com o acidente que queria fazer de tudo para me desculpar. Sem pensar, puxei o braço da minha vítima (o mesmo braço) para mostrar quem foi a culpada - a casquinha de uva no chão: “Aquela ali!”

Lá se foi outro grito. Agora, um verdadeiro grunhido. Tracionei seu braço machucado e, desta vez, eu tinha tirado o osso do lugar, na certa.
 
O médico me olhava com os olhos arregalados e os dentes trincados. Parecia o sorriso sardônico e espástico de quem estava com tétano - uma carranca do Rio São Francisco. Nem gritou desta vez...

Larguei o seu braço devagarinho, passando a mão no ombro, dando tapinhas carinhosamente, para ninar a fera. Pedi desculpas, saindo de costas para o meu vestiário.

Lá, sim, junto com a minha instrumentadora, cheguei a sentar no chão para não cair de rir (de nervoso).
 
O médico era todo sério, daqueles médicos importantes, que não riem nunca.
 
A minha colega olhava pela fresta da porta e dizia que ele estava petrificado, com a mão no ombro e com a cara fechada de uma enfermeira nazista.
 
Claro que eu não voltei - Até poderia - Eu tinha meus olhos cheios de lágrimas e poderia dizer que estava chorando, mas tenho certeza de que se o visse de novo e olhasse para a minha companheira de equipe, eu me trairia com gargalhadas.

Naquele dia (pobre do homem), eu ri de verdade. Ri de mim, ri do ridículo, ri de desabafo. Foi bom ter rido.
 
E, afinal, ele estava dentro de um hospital - nada mais adequado para se atender os doentes. Ele iria se salvar...

Leila Marinho Lage
Rio de Janeiro, 2004