Clube da Dona Menô
Dona Menô

Âncora

Nesta madrugada fiz outra viagem.

A virose que peguei me deixou caída e o sono foi perturbado por fantasmas.

Misturei coisas do passado - boas e ruins - e parecia que estava vivendo realmente aqueles momentos: a minha antiga casa, a família, atritos, felicidades, dramas, tudo misturado numa história sem pé nem cabeça. Um verdadeiro quadro de Dali.

Acordei no escuro e me senti realmente na casa da minha vida toda e estranhei o quarto em que dormia. Olhei pra janela e me assustei com o lugar. Eu estava morando há muitos anos atrás.

Estranho como a gente passa a vida toda escolhendo nossos caminhos e, de repente, vamos voltar aos lugares mais íntimos que ficaram na memória, que enraizaram nossa vida.

Não era bem a casa, mas o que ela representava. Cada um tem esta casa e o momento de sentí-la. Mais que farol, mais que cais, era a âncora que nos detia dos perigos e, mesmo sem sabermos, sentíamos o carinho e o amparo. Nela vivíamos o presente sem nos dar conta do finito.

Abdicamos de tantas coisas para tentarmos ter paz e, no exílio forçado, muitas vezes por opção, retornamos aos momentos que nos marcaram tanto quanto as cicatrizes em nosso corpo – talvez mais.

O destino que tira o chão onde pisamos, as pessoas que arrancam nossos sonhos, as decisões certas ou erradas, embora as únicas possíveis, isso tudo é embalado pelo retorno ao passado, na cama onde sonhamos e fomos felizes, onde fomos feto.

Por conta desta solidão e por me saber íntegra, tenho a convicção de que, apesar das perdas, ganhei em vida e posso estar aqui falando com a experiência de quem soube e sabe.

Rio de Janeiro, fevereiro/2006

Leila Marinho Lage