Clube da Dona Menô
Dona Menô

 

 

Pupunhetando

Terceiro dia em Ubatuba para ficar perto de Célia, nossa amiga, e nada... Ela estava toda enrolada com os filhos que tinham chegado para a visitar.  Naquele domingo, finalmente, iríamos almoçar com ela e sua família. Obviamente, antes disso, eu queria torrar ao sol, em alguma praia deserta, que era coisa impossível naquele feriadão do 7 de setembro - a cidade estava cheia. Mas, foi bom. A gente pode aproveitar algumas praias e pudemos rodar pelas estradas, nos aventurando em lugares sem qualquer roteiro traçado.
O problema todo era o sono... Minha companheira de viagem, Eliana, odeia acordar cedo e tínhamos ficado até 5 horas da manhã batendo papo. Às oito horas da madruga eu já estava tomando meu chá, acompanhada da minha hostess, Sra Orlanda. Eliana acorda com uma cara de poucos amigos. Também, pudera: ela não podia acessar a Internet (isso era o pior); odeia sol; só gosta de praia com chapeuzinho, camiseta, óculos escuros e filtro solar fator 100 (nem parece carioca...). Pra matar a pau, estava de pé às 9 da madruga, por causa da minha voz “suave”.
Por falar em matar a pau, esta é a crônica da pupunha, mas antes preciso falar desta manhã (antes da pupunha). Houve um divisor de águas neste dia – antes e depois da pupunha. Geralmente a pupunha leva a isso...
Bem, depois de eu aproveitar muito bem a praia, nós duas fomos para a churrascada na casa da Cida, cunhada da Célia. O almoço foi maravilhoso e conhecemos a sua família, gente muito boa. Quando pensávamos que iríamos tirar uma soneca, outra cunhada dela dá a famosa idéia: vamos pegar pupunha no mato!
Eu fiquei meio escabreada com aquilo, porque na hora não me vinha na cabeça que pupunha é uma espécie de palmito. Tudo bem... Mato não é o local ideal para uma carioca encontrar uma pupunha, mas tudo pelo social...
Elas disseram que ali pertinho havia uma plantação de pupunheiras, e que um senhor muito simpático poderia nos ajudar a adquirir as melhores pupunhas de nossas vidas. Acreditei piamente, uma vez que não tenho lá muita experiência com pupunhas.
Eliana perguntava onde havia uma lan house; Liquinha, a outra cunhada de Célia, queria saber QUANTO custaria a pupunha; eu retrucava que, uma vez que estava abstinente, pagaria qualquer preço por um belo espécime pupunhal. Célia era a mais séria e tentava explicar um pouco da história do palmito na região. Ela explicava que a pupunha não era planta nativa da Mata Atlântica, e, sim, da Amazônia; que tinha sido trazida para lá a fim de substituir a extração predatória e ilegal do palmito juçara (este, quase extinto na nossa floresta); que praticamente só os índios guaranis podiam cultivar, extrair e comercializar tal espécie - direito mantido pelo Governo. Eles já o faziam há séculos na região, sendo a maior fonte de renda para a tribo, inclusive utilizando o juçara no artesanato, além da culinária.
Mas, estamos falando da pupunha, não do juçara... Entramos na fazenda e fiquei maravilhada com tanta área verde, de um verde límpido, claro, brilhoso. Eram milhares de árvores, de uns 15 metros de altura ou mais. Uma solidão só. Não se via viva alma, apenas uma vaquinha, um cachorro velho e, escondido entre as árvores, um senhor (típico caiçara, ou seja, natural do litoral norte de São Paulo).



Eu pensei que ia encontrar uns recipientes em conserva com esta iguaria, ia comprar uns dois vidros e trazer numa bolsinha... Ledo engano... O senhor virou para nós e disse: “Escolham!”, apontando para dentro do mato.
Achei aquilo um pouco de sacanagem comigo, mas quem ficou brava mesmo foi Eliana, dizendo: “Po, cara, eu odeio mato!”. Aí, descobri que Eliana odeia praia, sol e mato... Por sinal, ela estava odiando estar acordada tantas horas e sem um computador ao lado - ela dorme com ele... Depois ela explicou que até gosta de mato, desde que tenha banda larga no local, coisa que raramente se viu em Ubatuba.
Eu falei: “Vem Eliana! Vamos todas! Vai ser divertido achar uma bela pupunha madura e intacta! Eu nunca vi uma!”. Neste momento, alguém atrás de mim disse para eu parar de falar aquelas coisas. Perguntei razão e uma delas disse que estava a ponto de fazer xixi de tanto rir. Logicamente, não era Eliana, pois ela estava tentando argumentar com o senhor que ela era advogada e exigia a presença dele na procura pela pupunha perfeita. Nunca pensei que fosse preciso na minha vida ter testemunhas para eu pegar numa pupunha, mas até entendi a razão do que ela impunha.
Não é fácil pegar pupunhas no mato... Quem disse que a gente consegue levar pra casa fácil, heim?! Não é moleza, não! Aliás, é dureza pura! Realmente havia necessidade de um homem para isso - um homem e um enorme facão!
Ele entrou conosco entre as árvores e retirou de uma mais baixa alguns caules mais finos. Ele gritava: “Quantas pupunhas a senhora vai querer?”. Caramba... Eu nem pensava ter uma pupunha em Ubatuba e aquele homem ainda me perguntava quantas eu gostaria de levar! Pensei em quantas eu conseguiria consumir... e pedi umas três (boa média, né?).
E lá veio ele com três galhos, de uns 50 cm cada, e perguntou:
 


- “Dona, vai levar com casca ou sem a casca?”.
- “Depende. É fácil descascar pupunhas?”.
- “É preciso alguma prática.”.
- “Meu senhor, eu sou totalmente inexperiente com este tipo de pupunha...”.
- “Ela espeta um pouquinho. Tem que tomar muito cuidado com as mãos!”.
Pensei com meus pêlos pubianos: “Poxa, venho em Uba; entro no mato; acho pupunha; to a fim de comer uma e ainda vou ter que sacrificar minhas mãos de fada?!”.
Eu estava vidrada nas pupunhas. Não tirava os olhos delas. Alguém atrás de mim volta a falar: “Quem colhe pupunha como se chama?”. Mais que de repente eu respondo pelo canto da boca: “Pupunheteiro”. Alguém atrás de mim grita: “Pára! Eu vou me mijar!”.
Enquanto isso, o homem jogava a pupunha no chão e covardemente arrancava a sua casca, num corte certeiro, expondo aquela polpa branquinha, macia, roliça. Dava até água na boca... Ele levanta do chão todo satisfeito e a apresenta para meu deleite:
- “Fora da sua proteção natural ela deve ser consumida em poucas horas, senão vai amarelar e estragar. E cozinhe logo que chegar em casa.”.
- “Imagino. É sempre assim... Ih! Quer dizer que não é só descascar? Tem que cozinhar?!”
- “Bem, se a senhora gosta de roer pupunha, tudo bem...”.
- “Não, não... É que eu pensei que com esta pupunha fosse mais fácil”.
- “Heim? Do que fala?”.
- “Nada, nada. To só pensando no trabalhão que eu vou ter...”.
Nesta hora, alguém atrás de mim correu para o mato, talvez incentivada a procurar mais pupunhas, ou sei lá a razão...
Daí, o homem olha pra mim muito fixamente e abre a mão espalmada. Pensei até que ele ia se preparar pra bater na minha cara, mas ele segurou forte na pupunha e me disse: “A parte mais gostosa da pupunha é esta ponta grossa [Aquilo estava parecendo um atentado ao pudor ou eu já estava delirando com o sol, um delirium tremens]. A senhora pretende levar como?”.
Como eu vi que aquele lugar não era nem de longe um supermercado, peguei minha canga de praia, enrolei as pupunhas e as enfiei na mala do carro. Elas resistiram bem, pois naquele dia pensávamos em partir de tarde para não pegar trânsito na volta, mas paramos em Paraty e ficamos por muitas horas, o que vai ser assunto para outra crônica.



De madrugada, ao chegar no prédio onde moro, encontrei o porteiro, para o qual sempre ofereço um jantarzinho ou um lanche: “O senhor quer uma pupunha?”.
Ele me olhou meio desconfiado e não ousou responder por muitos segundos. Pensei novamente com meus pêlos pubianos: “Este cara deve estar pensando que, se já tem uma, pra que vai querer outra? Ou, então, está supondo que eu faço uma proposta indecente...”.
Eu me adiantei ao seu constrangimento e desembainhei as pupunhas da canga. Ele olhou aliviado e, ao mesmo tempo, surpreso, admirando aquela pupunha enorme:
- “Claro, claro! São todas minhas?!”.
- “Obviamente que não! Depois do sufoco que eu passei em Sampa para conseguir estas pupunhas, o senhor acha que eu vou dar minhas pupunhas todas de mão beijada?! Só dou uma porque eu não vou conseguir encarar três de uma vez”.
- “Que isso, doutora! Eu vou lhe ensinar a fazer conserva de pupunha. Se bem que eu gosto mesmo é do juçara. Esta é muito doce”.
- “Engana-se, Seu Nelson. Esta pupunha foi a coisa mais amarga que me aconteceu na viagem. Eu a decifro ou a devoro. Prefiro a segunda opção...”.

Texto e imagens
Leila Marinho Lage

Novembro de 2007