Clube da Dona Menô
Dona Menô

Rio Antigo
Pessoas e artistas
Texto de Leila Marinho Lage 



Lá estava eu no meio da feira do Rio Antigo, doidinha ao ver tanta bugiganga e imaginando aquilo tudo na minha casa. Da mesma forma que eu não sou mais maluca por falta de espaço, a minha casa também, pela mesma razão, é uma loucura: tem luminária da Indonésia, chapéu de mariachi e, até, um berrante. Sim, um berrante: aqueles chifres de boi enormes que usam pra soprar. Quando eu fui à Feira de São Cristóvão (também vou fazer uma crônica sobre ela), eu me apaixonei pelo chifre lindo! Só que eu não tive coragem de colocar na parede... Se eu tivesse uma casa de campo, tudo bem, mas na Cidade pega mal, né?....
Enquanto eu me controlava para não levar uma imitação de máscara de Marrocos, eu ouvi uma banda tocando chorinho.
Para quem nem imagina o que seja chorinho, aqui vou eu:
Em 1870 surgiu um gênero musical popular que é uma adaptação brasileira dos antigos xote,  polca, valsa europeus e o lundu dos africanos. O choro é tocado pelo violão, cavaquinho e bandolim, podendo se inserir a flauta e o pandeiro.





Eu resisti arduamente para largar a carranca do São Francisco (os estrangeiros, por favor, pesquisem), uma vez que não caberia na bolsa, e corri em direção ao som.
Eram jovens músicos, entre crianças e adolescentes, tocando eximiamente. Estavam sendo regidos por um senhor (Perdoem-me, mas não consegui saber seu nome ainda). Ele era tão animado, que me pareceu viver intensamente esta sua função com
orgulho, alegria e prazer. Também uma senhora coordenava os meninos e me falou sobre eles. Fazem parte da escola de música patrocinada pela casa de shows Rio Scenaruim, que tem convênio com Ministério da Cultura, UNESCO, dentre outros.
A finalidade é integrar socialmente as crianças mais carentes da periferia através da música.  
Eles também mantêm uma oficina de artífices, onde aprendem a arte da marcenaria e decoração de mobiliário. O  mais interessante é que tudo começou com um grupo de meninos com deficiência neurológica. Por isso, eu faço questão de citar esta casa de eventos artísticos. Como eu sou mais para ficar num “cantinho e um violão”, “numa tarde em Itapoã”, e sabendo que eles apresentam muito samba e pagode, vou escolher o dia em que Cristina Braga, minha harpista preferida, for tocar lá, ou algum outro grupo de música clássica. Quem sabe, uma bossa nova, um jazz?... Pelo que vi na página da casa, lá é lindo, cheio antiguidades... comida boa... Mas, olha, o feijão com arroz, bife, ovo e batata frita do meu amigo Aires, no Restaurante Coa, cara, ficou na minha memória até hoje...
Ah, por falar em Aires, seu restaurante fica na Rua Mém de Sá, 98   (gravei!!!). E o Scenarium fica na Rua do Lavradio, bem no meio da feira.
O pessoal não entende como eu não conheço lugares tão tradicionais... Poxa, quem é aí que conhece um fígado de perto, vivo e pulsando?! Um útero?... Cada macaco no seu galho. Não tive muito tempo na vida para noitadas. Agora, sim, é que eu estou botando o bloco na rua...




Plínio Quintão Fróes

Plínio Fróes, publicitário, amante de antiguidades e sócio do Rio Scenarium, fazia a apresentação dos artistas. Na maior calma, ele estava lá no meio do povão, que pouco    prestava atenção ao que ele falava. Mas, tudo bem, pelo que eu andei lendo de sua vida (e vou ler mais), ele está mais do que acostumado com isso – aconselho a pesquisa.
Daqui a pouco o que é que eu encontro? Um grupo de palhaços! Não eram palhaços 
carecas, com narizes vermelhos e, sim, rapazes muito bonitos, simpáticos, malabaristas e
engraçadíssimos. Eles interagiram o tempo todo com o público e eu quase caí pra trás de tanto rir quando Fernando (malabarista, toca acordeão, cômico) resolveu subir num monociclo, se apoiando na cabeça de um keniano (eu acho) e um inglês (eu acho), que escolheu a dedo no meio da platéia. Tadinhos... Olhem só o que levarão de lembrança de nossa fabulosa terra... Nunca iriam imaginar que um brasileiro ia os sacanear tanto. Mas, como todo mundo que vem aqui entra na dança, devem estar com saudade de nós agora.
Recomendo estes rapazes para festinhas em play ground. Pelo menos, é arte e cultura, além de diversão e alegria. Existem coisas que nunca faço, atualmente: ir a casamentos, enterros, batizados e festas de criança aos sábados de tarde, principalmente em play grounds... Se eu for e estiver tocando Xuxa ou axé, eu me retiro! Ainda bem que acabou a fase da indecente dança da garrafa...
Estes moços se apresentam em qualquer lugar, seja um belo palco, uma casa de shows, um circo, a rua ou um play ground de edifício classe média, num sábado de tarde... Eles são umas graças, todos eles. Anotem o telefone do Fernando: (21) 87232602 ou (21) 25695148. Lucas: (21) 82937661.


Fernando Nicolini



O grupo se chama Coletivo Nopok. Eles representam, tocam e fazem malabarismos. São da  Escola Nacional de Circo. Daniel é Uruguaio, palhaço, equilibrista, malabarista e acrobata, toca escaleta e zabumba. Lucas é malabarista, acrobata, cômico, trapezista e o mais concentrado. Também, pudera, para fazer o que ele faz com aquelas facas, não é pra qualquer um, não!


Lucas


Daniel

Até aqui o passeio não foi com Eliana Rocha e, sim, com Mayco, meu parceiro para assuntos sócio-culturais cariocas. No primeiro sábado do mês seguinte (as feiras só acontecem no primeiro sábado de cada mês), quem me acompanhou foi esta amiga, doidinha de pedra...
Assistimos em plena rua, em cada canto, expressões artísticas das mais variadas e pudemos nos deliciar assistindo profissionais do tango. 
O que atrapalhou um pouco foi a discussão entre Eliana e um garçom, numa mesinha ao lado dos dançarinos:
- “Leila, este cara aqui está falando gringo comigo, achando que eu sou estrangeira. O puto vai me cobrar mais caro pela cerveja e eu vou dar porrada nele...”.
- “Eliana, pega leve, po! Quem manda ter cara de Rita Lee?!”.







Legal, legal mesmo, foi o palhaço mímico, que eu nem o percebi chegar atrás de mim. Ele se passava por minha sombra. Aí, resolvi incorporar a criança dentro de mim e comecei a correr atrás dele pra fotografar. O danado corria e parava para me dar uma banana. É lógico que eu não ia deixar passar, né? Como é bom ser brasileiro, gente...



Artistas, pessoas iguais a nós (ou quase), que vivem um mundo diferente, trabalham pelo prazer, pela alegria e satisfação de fazer o que foram predestinados a fazer, mandados por  alguém lá de cima, em algum lugar que não conhecemos. São cidadãos do bem e se sacrificam para viver da arte e serem reconhecidos. A maioria vive em dificuldades financeiras, mas, mesmo assim, sonha.
O que mais me comoveu foi uma menininha de uns seis anos, que perguntou à mãe se a estátua estava viva. A mãe simplesmente acabou com a fantasia dizendo para ela que era uma mulher se fingindo de estátua... A menina viu todos colocarem moedas aos pés da dama de vermelho, mas a mãe não queria dar o dinheiro para a criança. A menina se zangou e disse: “Mãe, ela merece!!!”.
Convencida, a mãe cedeu e lá foi a bonitinha se abaixar perante a artista. Não deu pra resistir: a estátua também cedeu e acariciou a  menina.

Rio de Janeiro, outubro de 2007