Clube da Dona Menô
Dona Menô


Amar Pessoas Especiais
Texto de Maria Filomena Queiróz

Há 23 anos tive a felicidade de ter pela primeira vez um filho nos braços e amar com uma inconfundível  intensidade que desconhecia.

Ele sempre foi um excelente aluno. As suas dificuldades eram com a relação, a interação com os outros, quer fossem da sua faixa etária ou mais velhos. Evitava todas as situações em que socialmente isso poderia vir a ser-lhe exigido, principalmente as que se integravam no âmbito das atividades letivas.

Confrontada com esse seu sofrimento, fruto dessas dificuldades, levei-o para ser consultado por psicólogos por volta dos 13 anos. Ele fez psicoterapia durante 2 anos.

Aparentemente estaria mais conciliado com ele próprio e prosseguiu a sua vida e os seus estudos, aliás, nunca interrompidos. Mantinham-se as dificuldades que thavia antes, mas ele lidava agora melhor com elas, aceitando-as.  Os outros nem sempre as entendiam e a sua auto-estima, já debilitada ao longo dos anos, foi sofrendo quebras cada vez mais visíveis.

Aos 17 anos foi acometido de forma súbita do que chamaram “grave depressão”. Dessa patologia foi tratado em psiquiatria por algum tempo. Não se via resultados e a culpa recaía injusta e invariavelmente em mim, sua mãe. Eu era "protetora em excesso” - desculpa fácil e a jeito…

Prosseguiram seus estudos e ele ingressou na Universidade. Ele sempre bom aluno. Inclusive no último exame que fez, ele teve a nota máxima.

Há pouco mais de um ano os seus dias começaram a ser invadidos por novos sintomas de sofrimento, perturbadores da sua vida normal e incapacitantes de algumas atividades: visões, alucinações, psicoses, vozes, situações de pânico e muito sofrimento. 

Outras incapacidades surgiram, uma vez que não conseguia deglutir, mastigar ou engolir alimentos sólidos, entre outras. Foi necessário recorrer, a título de exemplo, à alimentação líquida. À sua volta, como sempre, apenas eu e a irmã.
 
Inicialmente foi diagnosticado TOC (Em psiquiatria significa Transtorno Obscessivo-Compulsivo) e, pouco depois, esquizofrenia.

Seguiram-se meses de grande sofrimento e muitas experiências infrutíferas com vários medicamentos. Este fato levou o psiquiatra que o assiste a optar por tratamento com ECT (eletroconvulsivo terapia), vulgarmente conhecido como electrochoques. Este tratamento, além de não ter melhorado os sintomas que apresentava, lhe trouxe consequências , ou melhor dizendo, maior agravamento da sua saúde, com o aparecimento de mais dificuldades e sintomas, sob a forma de distúrbios cognitivos, da memória, com componentes retrógrado e anterógrado, bem como alguma  descoordenação motora,  que  demonstram não  querer desaparecer.

Desde então, o psiquiatra optou por manter uma medicação muito conhecida e antiga, anti-psicótica, ao que dizem, administrada a doentes considerados crónicos. 

Compreendo o desapontamento de um médico, quando não vê saída para uma vida de apenas 22 anos, cujo futuro lhe foi entregue. Talvez seja essa impotência e essa insatisfação face à evolução da situação e ao controle que não consegue para a mesma, que o levam a admitir a possibilidade de lhe recomendar mais eletrochoques.
 
Pergunto: Para quê? Os anteriores não só não deram resultado, como também deixaram marcados os seus dias e a sua qualidade de vida, que estão ainda mais comprometidos - os dele e os nossos, pois a vida dele é hoje passada entre a cama, a mesa e, eventualmente, o sofá.

Meu filho consegue desenvolver qualquer atividade ou ter qualquer interesse pela vida, devido à doença e à ação dos medicamentos que toma.  Não consegue frequentar espaços públicos, e tudo o que é comum na vida de qualquer família, passou a ser para nós quase impossível de se vivenciar (ir a uma esplanada, à praia, a um centro comercial…). Também a tristeza dele é trespassante e constante.

Vou falar-lhes agora da mãe que habita em mim e que continua a acreditar que vai ter de volta o sorriso deste filho, as sonantes gargalhadas nos momentos felizes, as partilhas de passeios e atividades, um simples passeio na praia para o ver nadar.
 
Quero lhes falar também da tristeza que adivinho nos olhos da minha filha, quando sente que a cada dia está mais longe o “retorno” da saúde do irmão amado e admirado com quem brincava e brigava. Ela pediu no seu recente aniversário que Jesus abençoasse seu irmão com a graça que os humanos não são capazes de oferecer.
 
Peço eu a Deus que perdoe todos os amigos que desapareceram e transformaram este caminho num enorme deserto em que eu caminho a sós com a situação, as instituições que nem respondem aos e-mails, as entidades que optam por nem responder aos apelos. Peço que afaste o “estigma social” que espreita por todos os lados e que varro das nossas vidas, pois nem sequer o permito.

Neste momento continuo à procura de outras respostas, outros caminhos, outras possibilidades. Acredito que existam e vou descobrí-las. 

A minha evolução espiritual tem sido uma ajuda muito importante para toda a compreensão, aceitação e acompanhamento deste duro processo. Há, igualmente, respostas para estas situações nos caminhos da espiritualidade. 

Comigo caminham os meus medos, mas, também, as minhas esperanças, a minha fé e a minha perseverança. Acredito que vou vencer esta batalha, talvez a maior da minha vida, e que os obstáculos não vão me desviar do meu objetivo: devolver “vida” e esperança ao meu filho.
  
Permitam-me que lhes deixe uma mensagem final:
 
Nunca se conformem com um “não”. O caminho não termina onde outros determinam. Ele se estende na dimensão da nossa esperança, que aqui se torna infinita.

Criei uma comunidade no Orkut chamada AMAR PESSOAS ESPECIAIS, que acolhe pessoas como eu – as que conhecem esta outra dimensão do amor.

Um dia, quem sabe, eu possa encontrar a luz da qual preciso, ou possa dar esta luz a alguém.

Maria Filomena Queiroz
Lisboa, 06 de março de 2006