Clube da Dona Menô
Dona Menô

Pare, olhe, escute

Quando eu ainda vivia no Brasil, e estava no trânsito, quase era perceptível uma fumacinha saindo sobre minha cabeça, de tanta fúria por causa do mesmo.
Não sei se é a idade ou amadurecimento, mas fui aos poucos descobrindo técnicas de relaxamento no trânsito. Como o carro era a extensão da minha casa, e eu não olhava para as pessoas, aproveitava para ver o comportamento das mesmas nas ruas; analisar o stress de quem estava do lado de fora; passar um batom, um protetor solar nas mãos e fazer uma automassagem, tanto nas mãos como no pescoço. Olhava construções, que eu nunca tinha tempo para observar, já que a correria do dia a dia me roubava o direito de ser observadora.
Quando saía com minha filha a pé e alguém parava na faixa de pedestre, ela dizia: "É para passar por cima do capô?". Eu dizia: "Calma filha!". E ela: "Não tenho, não. Trânsito é para ser respeitado. Faixa de pedestre é para pedestre e não para carros." Alguém tem que gritar com os oportunistas.
Assisti inúmeras barbeiragens no trânsito e até cometi algumas, por conta de pessoas indolentes.
Vi em uma pesquisa na Net, no ano passado, numa página do Yahoo, que 40.000 pessoas morrem e milhares são mutiladas por ano no Brasil. Número preocupante...
Tive um relacionamento em que a pessoa era um advogado e agia de maneira imprudente no trânsito. A gente discutia e ele dizia: "Quando eu perder a minha carteira, eu vou ao Juiz e peço que anule as minhas faltas." Pode?!
Eu tentava ser a mãezona dizendo que não era só os pontos da carteira, mas as pessoas que ele poderia machucar...blá...blá...blá... Ele me dizia: "Você é politicamente correta!". Eu respondia: “Sou, sim, politicamente correta e tenho o maior orgulho disto”.
Uma vez, ouvi um amigo dizer: "A maior responsabilidade é não ter responsabilidade...”.
Eu retrucava: "Eu acredito e defendo que é mais fácil não ter que correr atrás de pontos na carteira ou correr o risco de não dormir para o resto da minha vida por ter matado ou machucado alguém”.
O transporte urbano da cidade onde eu vivi era um caos. Nem o poder público e nem as empresas de transportes respeitam os cidadãos, dando qualidade no transporte urbano. As mães têm que levar seus filhos para creche no colo, sem lugar garantido para sentar, já que  as gestantes, mães com crianças pequenas e idosos não são mais respeitados pelos jovens. Eu mesma já sentei na vaga reservada para gestantes e idosos nos ônibus. Que, aliás, usei muito no fim de minha temporada como cidadã brasileira... 

                                                           Trânsito na Suécia

No oitavo dia que eu cheguei aqui e o segundo dia que fui caminhar, na volta eu ia atravessar a rua e o carro da policia me parou bem no meio dela. Tremi na base. Eu não sabia o idioma e eu não sabia nem o número do telefone do meu marido no trabalho. Atravessei a rua devagar, esperando ser abordada, mas seguiram o seu percurso deles.
Fui pra casa cabreira: "Será que eles estavam me cortejando? Ainda estou com este moral todo?" Doce pretensão...
À noite, eu e meu marido saímos. Atravessava um casal na rua eu não ia parar, mas ele quase gritou porque eu não respeitei o trânsito. Ficou admirado quando falei que no Brasil o pedestre espera os carros. Aqui é o contrário, desde que estejam atravessando na faixa de pedestre, que existe a cada cinquenta metros, e o motorista tem que parar.
Em outras caminhadas, eu controlava a minha travessia por estar condicionada ao trânsito no Brasil.
Quanto ao transporte coletivo, as mães têm como entrar no ônibus com os bebês no carrinho; idosos têm como entrar no ônibus, em tunelbanna (metrô) ou no comboio (trem), usando o rolator (Rolator é uma espécie de apoio para idosos, tem rodas e a pessoa se apóia e, ao mesmo tempo, rola o andador). Nos vários morros habitados da região, onde vemos várias construções, o acesso pode ser feito por escadas e por rampas, tanto para o rolator, como para os carrinhos de bebês.

Quando vamos a alguma festa, e sou eu a motorista, ninguém me oferece bebida. Quem volta pra casa dirigindo não bebe e, se beber, vai assoprar o bafômetro e se denunciar. Pena? Prisão mesmo... e perda da habilitação. Aqui não se recorre à doação de cestas básicas como punição.
Para entrar no centro de Estocolmo se paga pedágio. O dinheiro não vai para o bolso dos governantes - é totalmente revertido para melhoria das ruas e estradas.
São poucos os semáforos. No bairro onde vivemos só vi dois, que servem para sinalizar um cruzamento de três tempos. No centro ainda não vi nenhum.
Se você der seta que vai entrar, seja para que lado for, deixam você entrar sem problemas.
Os túneis são diversos e há bifurcação dentro deles. É possível mudar a direção dos bairros e continuar dentro do túnel.
Porém, pra mim, aqui tudo é igual. Demorei em aprender as direções. Agora eu vou para onde tenho costume de ir. Se me soltar em qualquer ponto, sei voltar de qualquer lugar, mas ainda em alguns lugares ainda me perco.

Eu tenho que conduzir meu marido porque ele não dirige. Às vezes discutimos no trânsito, e, um dia, eu lembrei de um filme que assisti várias vezes: Conduzindo Miss Daisy. Eu sou a condutora do Mr. marido. E pensar que eu não tinha muito para aprender de trânsito e ainda aprendi muito com ele.
Para quem tem interesse de mudar de país e não tem conhecimento sobre isto, aí vai a minha dica: Antes de sair o Brasil deve-se procurar o DETRAN e pedir o PID (Permissão Internacional para Dirigir). É caro e demora, no mínimo, dez dias úteis. Este procedimento é necessário no exterior para dirigir. Ao chegar no país, você terá um ano para trocar a permissão por uma do local onde vai viver. O prazo de validade é o mesmo da habilitação. Na minha cidade funcionários do órgão competente não tinha conhecimento da existência do PID, porque não é comum se fazer isto, mas facilita muito a vida no exterior.

...Aguardando...


Com carinho
Gislânia Dornelas
Suécia, 26 de outubro de 2007
(Fotos de Gisa, Cidade de Flen)