Clube da Dona Menô
Dona Menô
ATACADO!

 
Este texto faz parte dos contos de Dona Menô, do livro que será publicado no ano de 2012.
 
Todos os direitos autorais estão protegidos. Quem quiser copiar e divulgar, esteja à vontade, mas deem os créditos, pois, senão, vão estar acrescentando alguns parcos reais à conta da doctor.
 
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Dona Menô está escrevendo um livro de memórias, com suas venturas desde jovem. Não podia ficar em branco os momentos românticos que passou ao lado de seu eterno companheiro Josualdo.
 
Eles namoraram bastante antes de se juntarem. Naquela época Menô era apaixonada por um paraquedista, ou melhor, um personal trainer. Acho que não... Peraí, deixem-me pensar... Ah! Ela era casada - ou seja, não estava apaixonada.
 
Nos velhos tempos Josualdo tentava dar uma de bacana e a levava a bons e elegantes lugares. Menô investia neste seguimento, mas era muito difícil para ela manter a pose e fazer bonito diante do novo paquera, já que ela curtia coisas simples e a natureza. Mas se era pelo social, tudo bem...
 
Um dia ele a convidou para jantar num restaurante italiano sofisticado. A especialidade deles era fazer com que os seres humanos pensassem que comer é luxo, tal era o absurdo do preço dos pratos.
 
Por falar em prato, o utensílio “prato” já assustava, uma vez que na mesa havia pelo menos três, todos de porcelana fina, um para cada coisa. Menô já começou a perceber que a coisa não ia dar certo quando viu tanta frescura, a começar pelo porta-guardanapo aviadado com rosas, que adornava um sousplat. Era tanta taça de cristal na mesa e tantas flores que ela logo de cara retirou tudinho de cima da mesa e colocou na mesa ao lado, dizendo:
 
- “Jô, eu acho a maior falta de respeito não terem arrumado um lugar decente pra gente. Olha só quanta tranqueira inútil esqueceram aqui!”.
 
Josualdo, ignorando a ousadia, abriu a carta de vinhos. Dona Menô detestava vinhos, pois achava que só serviam para o molho madeira que ela fazia aos domingos. O jeito foi ela dar a desculpa de que estava de dieta e pedir água. Ao se aproximar o maitre, Menô pensou bem na simplicidade do que ia pedir e se empenou:
 
- “Vocês têm a 420 da Nova Zelândia?”.
 
Ele olhou para ela com os olhos arregalados, pois não sabia do que se tratava. Menô estudou no Google rapidamente, meia hora antes de sair de casa, sobre águas minerais no mundo afora e soube que a 420 é uma água com poderes terapêuticos e afrodisíacos. Desta forma, estaria misturando o “útero” ao agradável diante de seu novo pretendente...
 
O garçom, muito cortês, não se fez de rogado e respondeu que tinha acabado. Mais que depressa Menô investiu:
 
- "E a Bling do Tenessee? E a Voss da Noruega? A japonesa Nona Nigari?".
 
O maitre estava tonto e só sabia balançar negativamente a cabeça, posteriormente baixando os olhos – não por estar triste, mas por estar tonto com tanta (des) informação. Como é bom ser um estudioso da Internet!
 
Para não ficar um clima estranho, Menô desistiu das investidas e pediu:
 
- “Então o senhor me sirva a São Lourenço mesmo (uma das melhores do mundo e brasileira), mas sem gás, e coloque cinco gotinhas de limão da Pérsia, com uma folha de hortelã na borda da taça, por favor...”.
 
Josualdo apenas assistia à cena, pois sabia que ela estava zoando do cara, e como ele também estava ali de gaiato, uma vez que não curtia nada daquilo, pensava em sair o mais rápido daquele tormento e comer um Big Bob mais tarde.
 
Não havia jeito, entretanto: Menô estava atacada e queria ir até o fim com aquilo, principalmente quando o garçom disse que não tinham hortelã. Ela estava injuriada, porque, na verdade, queria um suco de abacaxi com hortelã trituradinha e com muito gelo, mas abacaxi é coisa de brasileiro, portanto, de pobre...
 
Ela perguntou qual era o nome do seu servo incidental, que se chamava Pierre. Até pensou em pedir a água mineral Perrier, mas lembrou que já a tinha comprado no supermercado Extra e que a achou parecida com aquela água gaseificada que existe nas máquinas de Coca-Cola. Daí, nem cogitou esta opção. Então, neste momento, Pierre sugeriu:
 
- “Temos um licor de anis maravilhoso e podemos enfeitar com um finóquio!”.
 
Menô levantou a cabeça, deu um pulinho da cadeira com a bunda e disse:
 
- “Que isso, cara! Já passou a minha fase de amamentação!”. É que a folha, também chamada funcho, acelera a apojadura, ou seja, a produção e a saída do leite materno...
 
Para resumir a ópera, Menô colocou Pierre no paredão, como se estivesse prestes a metralhá-lo:
 
- “Tem rúcula?".
 
- Sim, mas numa salada com cerejas, vongole e macarrão parafuso”.
 
- “Mas eu só quero uma folhinha verde para a minha água!”.
 
- “Não dá... Só sirvo o que está no menu”.
 
- “Tá bem! Tem acelga, almeirão, radicchio?!”.
 
- “Temos! Mas numa gostosa torta verde!”.
 
- “Já te falei, pô, que eu quero água! Mineral e enfeitada”.
 
- “Senhora, enfeitadas são as pizzas com espinafre e escarola...”.
 
- “Detesto pizza! Só as como quando dá na gastura e não há mais nada na geladeira. Eu vim aqui pra comer elegante - e nem escolhi o prato ainda! Só quero uma erva pra colocar num copo de água e você não ta me deixando ser chique...”.
 
- “Então, para que seja chique, sugiro uma salada de alcachofra com repolho roxo”.
 
- “Meu querido, vou te dar uma idéia: eu não tenho prisão de ventre, mas sofro com gases”.
 
- “Minha senhora, este recinto não é uma feira livre, nem ao menos o mercado da CADEG!”.
 
- “Pois é! Justamente isto! Lá eu seria mais bem servida e por um terço do preço que Josualdo vai pagar aqui! To fora!”.
 
Ela levantou da cadeira, já pronta para ir embora. Antes, porém, deu vontade de fazer xixi e se rendeu, perguntando a Pierre onde podia lavar as mãos. Ele indicou um lavabo, que não fazia parte do banheiro. Quando ela lá chegou e viu que só havia uma pia, gritou:
 
- "Pierre, ta a fim de me sacanear, é? To a fim de mijar!”
 
Este foi um dos motivos pelo qual Jô se encantou com Dona Menô. Ela pensava no bolso dele – e o que estava dentro, bem dentro... Quanto a Pierre, depois que Jô e Menô foram embora, o maitre os procurou assim que terminou seu expediente e tomaram tanto chope e comeram tanta linguiça que o pseudo-francês acabou virando padrinho de casamento dos dois anos depois.
 
Texto e foto
Leila Marinho Lage
Fevereiro de 2011
Clube da Dona Menô
 
Foto do corredor do mercado da CADEG, no bairro de São Cristóvão, zona Norte da capital do Rio de Janeiro.