Clube da Dona Menô
Dona Menô

NA PASSEATA
CAPÍTULO I



No domingo, dia 19 de setembro de 2010, houve uma passeata em Copacabana, Era Dia Nacional da luta da pessoa com deficiêcia. Aliás, víamos a cada dez metros uma manifestação diferente. Parecia até a torre de Babel, justamente porque no bairro mais famoso da capital dá de tudo e estamos em ano de eleições...

Cheguei a receber um folder de um político que tinha um codinome ridículo, que eu nem lembro e por isso o chamarei de “O Gostosinho das Candongas”. Gostosinho me implorava: “Você vota em mim?...”. Eu disse que votaria nele se ele me dissesse onde estava o grupo dos deficientes físicos que lutam por seus direitos. Gostoso (ou melhor, Gostosinho) exclamou: “Que?! Ta tendo alguma coisa de aleijado aqui perto?! Onde??? Vou lá pra marcar presença!”

Eu disse pra ele que não perdesse seu tempo e que continuasse com a sua campanha, embalada por aché e funk, porque certamente onde houvesse aleijado a coisa ia ser um saco – e ele concordou...

Olha, gente, hoje eu senti que foi um dia muito emocionante (talvez um dos dias mais emocionantes) de minha há vida! Falarei disso ao longo do tempo. Obviamente não podia estar neste meio gostosinhos das candongas...

TIVE UMA COISA



Este dia vai ficar marcado para sempre em mim. Pode até soar falso aos ouvidos de quem está acostumado a comícios e encontros daquele tipo, mas eu quase perdi minha flecha junto da tribo que eu resolvi “adotar" ou ser "adotada” por ela.

A princípio estava tudo marcado para eu me encontrar com Márcia Garcês neste evento. Eu ia publicar outro artigo sobre os deficientes e ia falar do livro de minha amiga, mas parecia que as coisas davam contra...

Primeiro eu acordei cansada, pois na noite anterior eu trabalhei muito e acabei dormindo sentada numa cadeira, Pela manhã a única coisa que me veio à idéia foi ligar para o celular de Márcia dizendo que eu estava inválida para qualquer cobertura de qualquer evento social. Ela me disse: “Toma banho, coloca qualquer roupa e venha aqui agora! Faça isso por mim!”

Eu não queria ouvir aquilo, mas fui, mesmo sem a menor condição para isso.

Falavam de um palanque, num trio elétrico que caminhava devagar, apesar de todos os cadeirantes andarem mais rápido que o tal carro e eu mesma. Mas outras pessoas, com necessidades mais do que especiais estavam no grupo, portanto a coisa tinha que ser democrática e acessível a todos. Uma moça (que ainda não sei o nome) traduzia tudo para os sinais dos surdos (língua gestual), uma vez que devia existir muitos por perto.



Eu ouvia músicas muito legais, inclusive de compositores sobre quem falarei em breve, Só que o que chamou a minha atenção - e de todos ali - foi uma adolescente com centímetros de altura e sem olhos. Ela tinha uma voz de criança e muito afinada. A música que ela cantava era linda, mas eu esqueci a letra e só lembro da palavra MEL.

Eu pensei que eu era a única a me emocionar, mas ao olhar para a turma que seguia o carro, eu me vi diante de para uma moça com síndrome de Down. Ela chorava muito. Eu fui à Copa para fotografar e fazer a cobertura de um evento, enquanto escondia a minhas lágrimas, pois uma pretensa repórter não pode perder a pose, não é?...

Pois bem... Aquilo me dava um certo nervoso, pois eu queria sentar na calçada e deixar diluir meu pancake, então resolvi sair do grupo e fotografar bêbados, políticos, o hotel Copacaba Palace, um artesão e o mar, mas a música e a voz da menina me acompanhavam. Eu não podia deixar de extravasar alguns mililitros de líquido das glândulas lacrimais...

Eu me perdi de Márcia e acabei sentada num banquinho bem de frente ao mar naquele frio horroroso. Eu pensava com os botões de minha calça jeans “Que foi que eu vim fazer aqui, po?!”.

Eu não fui lá pra nada... Nada do que eu fiz teve importância, mas o que eu vi e o que eu senti fez muito efeito em mim e em minha vida.

SOCIEDADE



Vou rapidamente colher na Internet a definição de sociedade:

“Em Sociologia, uma sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade”.

“Uma sociedade é um grupo de indivíduos que formam um sistema semi-aberto, no qual a maior parte das interações é feita com outros indivíduos pertencentes ao mesmo grupo. Uma sociedade é uma rede de relacionamentos entre pessoas. Uma sociedade é uma comunidade interdependente. O significado geral de sociedade refere-se simplesmente a um grupo de pessoas vivendo juntas numa comunidade organizada”.

“A origem da palavra sociedade vem do latim societas, uma "associação amistosa com outros". Societas é derivado de socius, que significa "companheiro", e assim o significado de sociedade é intimamente relacionado àquilo que é social. Está implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesse ou preocupação mútuas sobre um objetivo comum. Como tal, sociedade é muitas vezes usado como sinônimo para o coletivo de cidadãos de um país governados por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico”.

Eu sei que é muito difícil fazer com que pessoas “normais”, que possuem vidas tranquilas ou quase isso, sintam na pele o que passa um deficiente físico. Talvez porque cada um tenha um calo e sabe onde ele dói, e por isto mesmo ache que de dramas já bastam os deles, mas daí a ser inconveniente e mal-educado é outra coisa!



Quando eu cheguei à passeata do último domingo em Copacabana soube de uma ocorrência que no mínimo pode ser encarada até como crime:

Primeiro crime: Tolher a liberdade de expressão de alguém.

Segundo crime: Agredir moralmente alguém.

Terceiro crime: Não respeitar normas de cidadania.



Copacabana, assim como o centro da cidade do Rio de Janeiro e também o bairro do Flamengo são lugares para várias manifestações e eventos públicos, tanto sócio-políticas, quanto artísticas ou até desportivas - a maioria, com o respaldo da Prefeitura. Portanto, devem ser respeitadas, mesmo que não aceitas por algumas pessoas. Acontece que ocorreu um fato muito constrangedor naquele domingo. Passo abaixo:

Componentes e seguidores do Projeto SuperAção, do Instituto Novo Ser e de várias outras entidades que visam o bem-estar social do deficiente físico caminhavam do trio elétrico. As músicas que eram cantadas diziam sobre inclusão social e acessibilidade plena. Algumas personalidades falavam ao que vinham, alertando o público sobre as dificuldades dos cadeirantes e todos que, por alguma doença, se acham tolhidos socialmente. Era uma reivindicação justa e muito tocante. Além do mais, nada tinha a ver diretamente com propaganda política, apesar de estarem lá vários candidatos, mas também estavam presentes escritores, repórteres, intelectuais, integrantes da área de saúde etc. O povo que habitualmente curte a praia e a orla transitava meio que alheio ao grupo, uma vez que aos domingos a Avenida Atlântica é fechada para lazer. Aí todos botam o “bloco na rua” e “vendem seu peixe”...

Havia um grupo de senhores jogando vôlei na areia e um deles se incomodou com o barulho, a “balbúrdia”. Não se conformando, atravessou a rua e foi lá reclamar. O que acham sobre isso?



Bem, eu soube que o cara foi vaiado, mas eu imagino o que um deficiente sentiu naquela hora. Podem ter certeza absoluta que eu ia descer das tamancas, se conseguisse andar, e meter porrada nele. Ainda bem que as pessoas que ali estavam são acostumadas com este tipo de discriminação e apenas vaiaram o “atreta” zona sul casual.

Se fosse comigo ia sair porrada...

Artigo e Fotografia
Leila Marinho Lage
Rio, 21 de setembro de 2010
http://www.clubedadonameno.com

Poderão entender melhor este texto quando lerem os artigos sobre o tema, em ordem alfabética, nos capítulos sobre "MÁRCIA GARCES" e em "ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO SOCIAL", no Espaço Cultural de Dona Menô